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Por que contratos rompidos renderam um Nobel em 2016?

Assinatura ou aperto de mão são sinônimos de negócio fechado, mas nem sempre eles bastam

Crédito: JONATHAN NACKSTRAND/AFP Winners of the Nobel Prize in Economic Sciences British-American economist Oliver Hart (L) and Bengt Holmstrom of Finland are displayed on a screen during a press conference to announce the winner of the 2016 Nobel Prize in Economic Sciences at the Royal Swedish Academy of Sciences in Stockholm on October 10, 2016. Hart and Holmstrom won the Prize for their work on contract theory, the jury said. / AFP PHOTO / JONATHAN NACKSTRAND
Tela anuncia Oliver Hart (esq.) e Bengt Hölmstrom como vencedores do Nobel de Economia 2016

As pessoas transacionam o tempo todo. Fazem desde interações menos complexas, como ir até a padaria e entregar R$ 5 em troca de pãezinhos quentes; até operações mais complicadas, como vender/comprar casas com financiamento bancário, que são contratos sobre promessas futuras de pagamento. O mesmo vale para firmas e governos.

O ponto aqui nesta coluna sobre o Nobel em economia: enquanto trocas de natureza mais simplórias, como a da padaria, têm pouco potencial para problemas, outras, com bem mais detalhes envolvidos, podem dar muito errado...

Para que servem contratos?

Você já passou pelo inferno de fazer uma obra na sua casa? Ou pensou na complexidade que é gerir milhares de trabalhadores, internos e terceirizados, de uma grande empresa?

Não é moleza. Em casos como esses, as interações econômicas são pautadas e regidas por contratos, formais ou não.

Num ambiente de trabalho, o típico é algo como:

— Eu te pago X por mês de grana fixa para você desempenhar bem as tarefas A e B. Se você, ainda por cima, conseguir ajudar com a tarefa C ou for excepcional nas tarefas A e B, daí você recebe um extra.

Ou, então, com um pedreiro, por exemplo:

— Queria que você mudasse o azulejo, pintasse a parede de rosa e consertasse a pia em 10 dias. E precisa ficar bom, tá? Te pago 25% de cara, mais 25% no meio e 50% no fim, beleza?

Os contratos acima têm o objetivo de alinhar os incentivos entre o contratante e o contratado. Além disso, buscam deixar bem claro o que cabe a cada parte.

Parece que tudo fica mais fácil quando temos um contrato, certo? Mas não. Ora, se fosse, não renderia um Nobel.

O britânico-americano Oliver Hart e o finlandês Bengt Holmström ganharam o prêmio deste ano na categoria para economistas após anos dedicados a nos ajudar a entender como essas coisas podem funcionar melhor.

Quando o combinado pode sair caro?

Veja como a coisa não é trivial. O que exatamente significa "precisa ficar bom"? Há espaço para discordâncias aqui —em economês, fala-se em "contratos incompletos". Mais ainda: e se o tijolo atrasa a chegar? O que fazer com o prazo de 10 dias do pedreiro? E se, após cinco dias, ele estiver dois dias atrasado por que ficou resfriado e faltou?

Obviamente, não há como você saber se ele ficou doente mesmo ou se conseguiu um bico no caminho. Aí, você faz o quê? Não paga a segunda parcela e deixa o cara lá, fulo da vida, trabalhando para você? Ou você paga a parcela e chancela, probabilisticamente, uma picaretagem? Você manda o cara embora no meio da obra? Já pensou no trabalhão de achar outro?

O trabalho dos economistas Hart e Holmström nos ensina a lidar com um fato: contratos nunca serão capazes de estipular o que cada parte deve fazer em todas as quase infinitas possibilidades que um mundo incerto nos reserva.

No caso das firmas, por exemplo. O que fazer quando um fornecedor deixa você na mão? Trocar de fornecedor? Acionar alguma cláusula de punição na Justiça? Voltar à mesa de barganha?

Todas essas soluções são muito custosas. Em várias situações, a melhor estratégia talvez seja comprar de uma vez o fornecedor! Acabaria de vez com esses problemas... Ou eles seriam, ao menos, bem atenuados.

Incentivos garantem o respeito aos contratos?

Talvez, no caso do pedreiro, valha a pena oferecer um valor fixo menor e dar um bônus de 25%, caso o trabalho fique pronto em 10 dias e de acordo com seu gosto.

Mas trabalhar com uma variável sempre ajuda? Ou, no linguajar dos economistas, sempre "alinha os incentivos entre contratante e contratado"?

Muito pagamento à executivo de grande empresa vem atrelado ao desempenho dele, medido indiretamente pelo valor das ações da empresa.

A ideia por trás: em vez de gastar milhares e milhares de reais numa mesa de mármore, por exemplo, o CEO prioriza outra coisa. Sei lá, algo como um computador melhor, para os funcionários aumentarem a produtividade?

É boa ideia, então, atrelar renda a desempenho?

Em princípio, sim. Mas lembre-se: teve muito executivo financeiro fazendo malandragem, inflando o preço de ações para meter um bônus gordo no bolso. Aí, tempos depois, descobria-se a fraude... Mas o cara já tinha picado a mula! E quantas fraudes que não foram descobertas? Já pensou?

São muitos os exemplos de incentivos que acabam saindo pela culatra. O das prisões é caso seríssimo.

Você gosta da ideia de privatizar as prisões? Acha que basta o governo assinar um contrato para passar o comando das cadeias para o setor privado? Acredita que, assim, simplesmente, a coisa funciona melhor? Ah, os mercados...

Mas devagar com o andor, caros liberais.

O setor privado visa lucro máximo. Beleza! Quando existe competição e consumidores livres para escolher outros produtos, o lucro máximo serve bem à sociedade.

Mas no caso da prisão o cliente é o preso? Sim. E ele pode pedir para ir para outra prisão? Não.

Pior: de olho no lucro, será que a empresa que opera a prisão não vai meter muitas pessoas numa cela só? E minguar as refeições? Colocar poucos guardas?

— Ué, mas podemos estipular isso tudo num contrato entre governo e setor privado...

Podemos mesmo? Para alguém de fora inspecionar se tudo está sendo cumprido é difícil demais. E os clientes, no caso, os detentos, não têm voz.

Esse post tem mais perguntas do que respostas, é verdade. Mas, às vezes, a vida é dura mesmo. O objetivo é fazer você pensar que a coisa dos contratos e incentivos não é trivial. E que as respostas não são nunca óbvias e dependem muito do contexto.

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