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raul juste lores

 

31/10/2012 - 03h00

A guerreira Nova York

Um coral de voluntários começou a cantar clássicos dos musicais da Broadway, como "A noviça rebelde", em plena Times Square, para pedir doações para a Cruz Vermelha.

Eram 50 artistas aproximadamente, com ótimas vozes e carisma, provavelmente da nutrida cena artística da cidade. E passavam o chapéu depois de cada música. Teve de "New York, New York" a "Mamma mia".

Na tarde de segunda, recebi um telefonema da conEdison, a Eletropaulo nova-iorquina. "Talvez tenhamos que cortar a energia hoje à noite por razões preventivas por conta do furacão Sandy", disseram.

Infelizmente, eles cumpriram o prometido. Boa parte da cidade ficou às escuras, sem transporte e sem internet, com ruas alagadas e de guindaste à fachada de um prédio desmoronando.

Na cidade mais esquerdista dos EUA, abundavam mensagens no Twitter dizendo "há algo de errado neste país, quando a sede do Goldman Sachs fica iluminada, mas a luz do hospital da New York University se vai". E um debate acalorado sobre mudanças climáticas e aquecimento global ocupou os nova-iorquinos, temas ausentes da campanha presidencial.

O prefeito Michael Bloomberg começou ontem uma de suas diversas conferências de imprensa falando em espanhol para a população hispânica procurar os abrigos públicos rapidamente, dizendo que poderiam levar os animais domésticos, mas que depois das 19h, "quem não tiver saído, melhor ficar em casa. É muito perigoso andar na rua quando os ventos mais fortes atingirem Nova York", alertou.

No Twitter, um gaiato já até criou uma conta em nome de Miguel Bloombito (@ElBloombito), tirando onda dos estragos que o prefeito faz no idioma de Almodóvar, mas imaginem algum prefeito brasileiro falando em outro idioma para uma minoria estrangeira. Na verdade, raramente conseguem se comunicar em um português que seja compreendido pela maioria da população. Quantas tragédias brasileiras contaram com a ausência de governadores em férias e de presidentes que não queriam se envolver?

Ainda é cedo para calcular as perdas humanas e materiais da tragédia que o furacão Sandy trouxe. Para quem se acostumou ao que uma chuva forte faz em São Paulo, imaginem chuvas, marés altas com mais de 3 metros acima do normal e ventos de 120 km/hora por 48 horas seguidas, à beira do mar.

Nova York já provou que é duríssima na queda. Faliu nos anos 70 e virou sinônimo de decadência urbana e criminalidade nos anos 80 e 90. Bryant Park e Tompkins Square eram favelões, a Bowery tinha sua Cracolândia e as ruas da Alphabet City e o Central Park eram evitados já a partir das 18h. Tudo isso é irreconhecível hoje em dia.

A cidade que foi alvo do mais bestial atentado terrorista da história, há 11 anos, já deu várias voltas por cima.

Criada por holandeses, sem o puritanismo da Nova Inglaterra, ao norte, nem a cultura escravocrata e racista das colônias do sul, ela se tornou um caldeirão cultural e uma das cidades mais abertas do mundo.

De um capitalismo competitivo que 900 mil brasileiros desfrutam por ano, lotando sacolas por onde passam.

Woody Allen brincou que o restante dos EUA acusava Nova York de só ter "esquerdistas, gays e judeus, e talvez eles tenham razão".

Há os que insistirão que Nova York está decadente e o antiamericanismo juvenil de muitos vai produzir expressões de júbilo pró-furacão em cabeças mais mesquinhas. Mas quem aposta na queda de Nova York, a história já ensinou, sempre perde.

raul juste lores

O jornalista Raul Juste Lores é correspondente da Folha em Washington,
ex-correspondente em Nova York, Pequim e Buenos Aires e ex-editor
do caderno 'Mercado', e bolsista da fundação Eisenhower Fellowships. Escreve às quartas-feiras no site. Siga: @rauljustelores

 

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