É humorista português e um dos criadores do coletivo Gato Fedorento, referência humorística em seu país. Escreve aos domingos.
Um complexo bastante complexo
Pôr um filho no mundo é uma responsabilidade, é uma alegria, é gerar um ser que vai querer matar-nos.
A maior parte das pessoas concentra-se na parte boa, mas Sigmund Freud alertou para o resto. Parece que qualquer garoto nasce com vontade de assassinar o pai e casar com a mãe.
São estranhos, os valores desse pequeno cidadão. Por um lado, respeita o instituto do casamento; por outro, não se incomoda com homicídio e incesto. É um jagunço selvagem que leva a sério a santidade do matrimônio.
Luiza Pannunzio /Editoria de Arte/Folhapress |
Freud formulou esta teoria depois de ter visto Édipo Rei, no teatro. Se Freud assistisse a telenovelas, talvez a sua perspectiva fosse diferente, e visse o homem como um ser que nasce com uma inclinação primitiva para cortejar uma moça de condição social diferente durante 250 capítulos, ao mesmo tempo que descobre que tem um irmão gêmeo mau do qual foi separado à nascença.
Mas ele preferia tragédias gregas, e é por isso que hoje falamos em complexo de Édipo, e não em complexo de Tarcísio Meira.
Na verdade, na tragédia de Sófocles, Édipo mata o pai e desposa a mãe, mas há um detalhe importante: ele não faz ideia de que está a fazê-lo.
De fato, ele está a fazer tudo para evitá-lo. É um pouco cruel uma pessoa dar o nome a um complexo que não tinha.
O que se passa é que Édipo era adotado e não sabia quem eram os seus pais verdadeiros (e daqui se conclui que Sófocles, ao contrário de Freud, era apreciador de telenovelas).
Quando lhe dizem que o seu destino é matar o próprio pai, ele foge de Corinto, pensando que a profecia se refere ao pai adotivo.
No caminho para Tebas, ele tem uma briga na estrada. Um velho recusa tirar o carro e ordena-lhe que se afaste. Segue-se uma luta e Édipo mata-o. Mais tarde, vem a saber que o velho era o seu pai.
Ora, Édipo nunca teria assassinado aquele homem se soubesse que ele era seu pai. Freud enganou-se.
A gente nasce com um impulso primordial para matar, não o pai, mas idiotas que não respeitam o código de trânsito.
Basta dirigir dez minutos em São Paulo para sentir, no íntimo mais profundo, que a teoria de Freud estava errada, e a minha está certa.
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