Roberto Dias

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Câncer social, Facebook corta na própria carne

Crédito: AP Photo/Matt Rourke, File FILE - In this May 16, 2012, file photo, the Facebook logo is displayed on an iPad in Philadelphia. Facebook says a Russian internet agency posted more than 80,000 pieces of content during and after the 2016 election, and that content was distributed to an estimated 126 million users. The company plans to disclose the new numbers to Congress in testimony to the Senate Judiciary Committee on Tuesday, Oct. 31, 2017, according to a source familiar with the testimony. (AP Photo/Matt Rourke, File) ORG XMIT: NYJK201
Logo do Facebook fotografado em iPad nos Estados Unidos

O Facebook foi muitas vezes rotulado de "buraco negro da internet". Um ambiente cercado, que aumenta sem parar, invisível para quem está do lado de fora.

O buraco se tornou imenso. E com ele, foi ficando claro, cresceu um câncer social.

Cresceu tanto que o Facebook resolveu cortar na carne. É disso que se trata o anúncio feito na noite de quinta (11) por Mark Zuckerberg, fundador da empresa.

O feed de cada usuário passará a privilegiar conteúdo promovido por amigos, em detrimento das páginas de marcas –como são os veículos de comunicação.

O corte na própria carne é explicitado pelo próprio Zuckerberg: "Quero deixar claro que, com essas mudanças, espero que o tempo gasto pelas pessoas no Facebook e algumas métricas de engajamento caiam". As ações da empresa baixaram quase 5%.

É um movimento defensivo. O Facebook virou a primeira fonte de notícias para muitas pessoas, e a responsabilidade decorrente disso se mostrou um fardo grande demais. Sem ter criado mecanismos eficientes para distinguir o que é jornalismo e o que é propaganda mentirosa, a empresa se converteu num problema para a democracia.

As chamadas fake news envolvem política e dinheiro sujo. Significam colocar Donald Trump na Casa Branca. Transportam seus executivos para comitês parlamentares de investigação. Atraem policiais, procuradores e juízes. É compreensível que o Facebook queira distância de toda essa péssima reputação.

A questão é como fazê-lo.

Os movimentos da empresa contra notícias falsas sempre passaram muito longe dos lugares-chave para a solução do problema: os motores financeiro e técnico das mentiras. Porque tocar nesses dois pontos exigiria mexer no modelo que fez do Facebook uma empresa que fatura mais de US$ 30 bilhões –e quem é que quer isso?

O que a plataforma fez nos últimos tempos foram coisas que, apesar dos holofotes, têm consequência reduzida. São bandeirinhas para indicar notícias questionáveis, cursos sobre a importância do jornalismo, anúncios explicando onde mora o perigo.

A rede social agora se distancia do jornalismo. Não será um movimento sem baixas. Muitos veículos de comunicação dependem sobremaneira do Facebook para ter audiência. Em alguns países o ecossistema inteiro do jornalismo pode ser afetado.

Com a palavra, o próprio Zuckerberg, só que o Zuckerberg de um ano atrás: "Uma indústria de notícias forte é decisiva para uma comunidade informada. Dar voz às pessoas não é suficiente se não houver pessoas dedicadas a buscar informações e a analisá-las. Há mais coisas que precisamos fazer para apoiar a indústria jornalística e fazer com que essa função social vital seja sustentável".

Essa máscara caiu com o anúncio de agora. Ler notícias, diz o Zuckerberg deste ano, "tem sido muito frequentemente apenas uma experiência passiva". Neste momento, ele quer "interações sociais significativas".

Concepção que envolve uma régua sobre o jornalismo, como notou Joshua Benton, diretor do Nieman Lab, centro de estudos sobre a mídia: "A ideia de que a importância de uma notícia é definida pelos comentários, que não há valor em receber uma informação sem antes entrar num debate com seu tio, isso é na verdade uma declaração profundamente ideológica".

Assim, e paradoxalmente, um efeito possível de imediato é que as notícias falsas ganhem espaço, ficando relativamente mais visíveis no newsfeed das pessoas. É muito mais fácil interagir com uma mentira divertida sobre Bolsonaro do que encarar uma reportagem dissecando seu patrimônio. Bem capaz de vir mais Flá-flu por aí.

No buraco negro de Zuckerberg, parece não haver lugar para o bom jornalismo. No curto prazo, certamente é péssima novidade para muita gente da minha profissão. Olhando um pouco mais adiante, talvez seja uma ótima notícia para a sociedade. Ter um ator tão poderoso em algo importante como o jornalismo nunca foi bom.

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