Rodrigo Tavares

Professor catedrático convidado na NOVA School of Business and Economics, em Portugal. Nomeado Young Global Leader pelo Fórum Econômico Mundial, em 2017

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Rodrigo Tavares
Descrição de chapéu sustentabilidade

Quem merece o título de capital mundial do mercado ESG?

Brasil, Suíça, Reino Unido e Emirados Árabes Unidos disputam reconhecimento, o que pode atrair investimentos

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

É arriscado discutir que país poderá ser reconhecido como o centro nevrálgico de qualquer coisa. É um namorisco entre a subjetividade dos critérios e a imposição de vontades. Mas o mundo está repleto de "centros globais de" e de "destinos prioritários para".

Capital mundial da gastronomia? Do design? Da cultura? Todos nós temos sugestões. Sobejam também os estudos de consultorias com estatísticas e hierarquias de cidades e países, incutindo algum juízo e comparabilidade às nossas pulsões desatinadas por algumas nações.

Quem merece o título de centro global do mercado ESG? Aquilo que parece uma questão minúscula está ganhando contornos de disputa direta entre vários países. "Como capital mundial das finanças sustentáveis, a Suíça tem que impedir o greenwashing", soltou um gestor de fortunas há uns dias em Genebra numa conversa para discutir o envolvimento do regulador suíço em práticas ESG.

Vista aérea de uma turbina de moinho de vento geradora de energia em campo na França - Pascal Rossignol - 7.mai.2021/Reuters

Nas últimas semanas, ouvi comentários semelhantes de um banqueiro brasileiro, de uma diretora do regulador britânico e de um analista de investimentos de um family office dos Emirados Árabes. Nas suas óticas, todos trabalham no centro global do mercado ESG.

Com quase metade de todos os ativos sob gestão aplicando filtros ESG, a competição territorial não é apenas uma questão imagética, uma senda por um rótulo, ou a expressão do "id" freudiano. O título, se devidamente sancionado pela lógica, tem a capacidade de atrair bilhões impactando milhões.

Mas vamos por partes. O Reino Unido tem fortes argumentos. As suas instituições governamentais têm, de forma apolítica, apartidária e consistente, lançado programas de apoio às finanças sustentáveis; o país é o maior palco de eventos dedicados ao tema, incluindo a COP26 de novembro de 2021; 100% dos seus gestores de fundos integram dados, práticas e políticas ESG na gestão de investimentos (2021 Annual ESG Manager Survey) e o regulador (FCA) tem proposto orientações e padronização nessa área.

Existe vontade política, experiência prática e robustez regulatória. Também não faltam entidades dedicadas ao tema, como a UKSIF (UK Sustainable Investment and Finance Association) ou o Green Finance Institute. A sede dos PRI (Princípios para o Investimento Responsável) das Nações Unidas também é em Londres. Mas, estranhamente, as principais instituições acadêmicas do país têm uma oferta curricular escassa em temas ligados à sustentabilidade. Oxford oferece apenas cinco cadeiras de mestrado, a London Business School, quatro e Cambridge, cinco (nos EUA, Wharton tem 22, Kellog-Northwestern, 26 e Harvard, 16).

Os Emirados Árabes têm a maior densidade de políticas públicas, estratégias nacionais e visões para a sustentabilidade. Como exemplos, UAE Sustainable Finance Framework 2021-2031, National Climate Change Plan of the UAE 2017–2050 e UAE Green Agenda 2015-2030. São cerca de 20.

Em 2006, começou a ser desenvolvida a Masdar, uma cidade futurística sustentável, perto da capital Abu Dhabi, que hoje é também um centro de inovação e de investimentos em energias renováveis. Falta, contudo, garantir que os principais fundos soberanos do país e os family offices integrem questões ESG nos seus investimentos e aportem capital na transição do país para uma economia de baixo carbono. Como anfitrião da COP28, em 2023, os Emirados Árabes terão pouco tempo para se preparar para serem auditados pela comunidade global.

Foi na Suíça que o acrônimo ESG foi criado, em 2004. Desde os anos 90, a UNEP FI (Iniciativa Financeira do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), sediada em Genebra, está dentre os principais promotores da agenda da sustentabilidade junto a instituições financeiras. Uma constelação de outras organizações, como a Swiss Bankers Association, a Swiss Sustainable Finance e o regulador FINMA também têm publicado orientações e guias de boas práticas de integração ESG em investimentos e crédito e de prevenção de greenwashing.

O mercado suíço tem também mostrado muito apetite pela formação e certificação de gestores financeiros em questões ESG. Universidade de Zurique, St. Gallen e IMD lideram a oferta curricular.

Em 2020, o Conselho Federal (o governo suíço) apresentou recomendações para que o país se tornasse um destino global de práticas ESG. Porém, nesse mesmo ano, a Iniciativa Empresarial Responsável, uma proposta popular que tinha como objetivo alterar a Constituição Federal para obrigar as empresas suíças a fazerem a devida diligência a fim de garantir que padrões ambientais e de direitos humanos internacionalmente reconhecidos fossem respeitados nas suas cadeiras de suprimentos, foi rejeitada. Venceu no voto popular, mas foi derrotada pela maioria dos cantões (12 de 20).

O Brasil também apresenta predicados. A credibilidade do seu sistema bancário e o seu colossal patrimônio ambiental dão-lhe naturalmente uma voz no debate global sobre sustentabilidade, mesmo quando a riqueza ética do ocupante presidencial seja inversamente proporcional à riqueza de biodiversidade do país.

Entre todos os países nomeados, o Brasil é certamente aquele que tem uma sociedade civil mais engajada e internacionalizada para discutir pautas sociais e ambientais. Ademais, os principais bancos são reconhecidos globalmente pelo seu trabalho em sustentabilidade interna e externa. Também nenhum país tem uma cobertura midiática sobre sustentabilidade tão extensa quanto o Brasil, com dezenas de reportagens e artigos de opinião publicados diariamente sobre o tema. Há também destaque para o volume de dívida ESG e as questões regulatórias, com CVM e Anbima a encabeçar iniciativas pioneiras em nível global.

Ponto negativo: as gestoras de investimentos, family offices e fundos de pensão ainda titubeiam na agenda da sustentabilidade, optando muitas vezes por integrar apenas de forma cosmética práticas e dados ESG.

Neste campeonato não haverá vencedores oficiais. Depende da torcida. Uma tentativa de uma consultoria para hierarquizar os centros financeiros verdes em nível global (The Global Green Finance Index) não tem conseguido obter o respaldo inequívoco da comunidade financeira, apesar dos resultados interessantes que colocam Londres no topo da pirâmide.

Ser considerada uma das capitais globais na área das finanças sustentáveis produz muito mais do que reconhecimento radiofônico. Cerca de US$ 50 trilhões (R$ 240,5 trilhões) são investidos segundo uma lógica ESG. O país que for reconhecido pela sua virtude regulatória, pela padronização das suas práticas em sustentabilidade e pelo seu grau de exigência em transparência chamará a atenção dos donos deste capital, os investidores institucionais.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.