Rodrigo Zeidan

Professor da New York University Shanghai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ.

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Rodrigo Zeidan

Falta de sono mata

Vangloriar-se de dormir 4 a 5 horas por dia para poder produzir e viver mais é balela

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Se fazemos uma maldade com as crianças, é forçá-las a ir para a escola muito cedo. As evidências científicas recentes não podiam ser mais claras: poucas coisas importam mais sobre a saúde de longo prazo que uma boa noite de sono.

Do ponto de vista econômico, temos estimativas como as de Hillman e coautores, de 2018, e Wickwire e colegas, de 2016: na Austrália, para uma população de 25 milhões de pessoas, o custo de problemas de sono é de US$ 45 bilhões por ano, ou de US$ 1.800 por ano por pessoa.

Trabalhadores dormem em caminhão de produtos agrícolas em Ahmedabad, na Índia
Trabalhadores dormem em caminhão de produtos agrícolas em Ahmedabad, na Índia - Amit Dave - 14.jul.14/Reuters

A maior parte desse custo é o de perda de produtividade pelo fato de as pessoas dormirem pouco e mal. Nos EUA, estimativas bem conservadoras são as de uma perda de produtividade na casa dos US$ 100 bilhões por ano.

Esses valores elevados se referem às perdas pelos nossos problemas como adultos (como 10% da população mundial, sofro de insônia). Para a sociedade, quando o sistema de saúde trata uma pessoa com insônia, o investimento é recuperado em menos de um ano. 

Mas o pior é que estamos repetindo o padrão de descaso com transtornos de sono para nossas crianças. As evidências são fortes em relação ao horário de início das aulas: quanto mais cedo elas começam, pior para os alunos, no curto e no longo prazo.

Para ter uma ideia, Temkin e coautores mostram que crianças que começam a estudar 37 minutos mais tarde acabam dormindo 17 minutos a mais. Em alguns casos, 90% das crianças não estão completamente acordadas quando começa a aula e 43% têm problemas de sono que duram mais de seis meses. 

Para o Brasil, Carissimi e colegas, de 2016, mostram que as adolescentes têm mais problemas de sono que garotos, com o déficit afetando o aprendizado de todos. 

Na China, onde o ensino é excelente mas massacrante, só 11% dos alunos em idade pré-escolar dormem o suficiente para a idade. Falta de sono contribui para vários problemas de aprendizado em crianças, incluindo problemas de memória.

Além disso, problema de sono mata. A taxa de mortalidade para quem tem insônia é 21% maior para homens e 5% superior para mulheres. Parte desse aumento de mortalidade é explicada pelo falto de que problemas para dormir aumentam a probabilidade de que as pessoas tenham diabetes e hipertensão.

Sabe aquela história da pessoa que se vangloria de dormir 4 a 5 horas por dia para poder produzir e viver mais? É balela. No caso das escolas, as aulas começam cedo, na maior parte do mundo, para os pais deixarem as crianças antes de irem ao trabalho. Mudar não vai ser fácil, mas, do jeito que está, não dá.

 

As questões de sono estão dentro de algo mais amplo: saúde mental. Minha geração cresceu com a ideia de que transtornos eram coisas de fracos. É óbvio que o impacto de transtornos mentais não é só econômico, mas os dados assustam. 

Nos EUA, a perda de produtividade pelo falho tratamento de transtornos mentais chega a US$ 1 trilhão. Na União Europeia, 165 milhões de pessoas sofrem de depressão, ansiedade ou abuso de substâncias. 

No Brasil, como em todos os países ricos e de renda média, 50% da população vai passar por isso. No meu caso, minha vida melhorou muito depois de passar a tomar uma pequena dose de ansiolíticos e eventuais remédios para tratar insônia.

Não só minha produtividade aumentou mas deixei de ter 50 miniataques cardíacos diários, como brinca minha namorada, por coisas irrelevantes. Distúrbios do sono e transtornos mentais são questões econômicas e de saúde pública.

Abaixo o tabu.

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