É advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITSrio.org). Mestre em direito por Harvard. Pesquisador e representante do MIT Media Lab no Brasil. Escreve às segundas.
Como falar com as máquinas?
Tem muita gente preocupada com um novo fenômeno. Crianças estão interagindo cada vez mais com assistentes de voz, dispositivos criados para executar instruções e até mesmo conversar com o usuário
em linguagem natural.
No entanto, a comunicação com esses dispositivos é sempre na forma de comandos: "Apague as luzes", "toque uma música" e assim por diante. Palavras fundamentais para a comunicação humana, como "por favor" e "obrigado", ficam de fora da comunicação.
Com isso, muitos pais estão notando uma deseducação dos próprios filhos. Acostumados a conversar com as máquinas como senhores absolutos, acabam trazendo o mesmo hábito para as interações humanas. Por exemplo, gritando ou dando ordens para os pais, amigos e professores, como se eles também fossem assistentes virtuais robotizados.
Esse problema tem despertado a atenção de especialistas em educação e também das próprias empresas de tecnologia. Faz sentido. Há muito a ser pensado com relação aos assistentes virtuais. Uma pesquisa recente mostrou que, quando o assistente virtual opera por texto (chatbot), 35% assumem uma persona masculina, 30%, uma persona feminina, e 35% são neutros.
Já no caso de assistentes virtuais por voz, o cenário muda completamente: 67% utilizam vozes femininas por padrão, 0% usam voz masculina e 33% são neutros. Isso levanta o importante debate sobre a questão do gênero no âmbito da tecnologia. Por que a voz feminina é por padrão destinatária dos comandos dados aos assistentes de voz?
Uma forma de lidar com a questão é justamente enfrentar o antropomorfismo. Afinal, por que é necessário fazer com que a máquina pareça humana? Não seria essa simulação enganosa? Não seria melhor a máquina assumir-se como tal, sem querer ser um simulacro cada vez mais indistinto de uma pessoa?
Um dos efeitos preocupantes do antropomorfismo é justamente a quantidade de robôs que buscam se passar por cidadãos comuns na internet, expressando opiniões políticas, por exemplo.
Ou, ainda, quais os desafios de um produto como o Aristotle, que seria o primeiro assistente virtual de voz para bebês, antes de ser cancelado pela Mattel por preocupações sobre privacidade? Ele reconhece automaticamente quando o bebê acorda ou chora e embala o nenê com músicas. Na medida em que o bebê cresce, reconhece as perguntas da criança, conta histórias, ensina letras e números e faz jogos de adivinhação.
Por fim, o aparelho possui uma função opcional, que, se acionada, exige que a criança diga "por favor" todas as vezes em que der um comando para o aparelho.
Da mesma forma como muitos pais hoje distraem seus filhos com celulares e tablets, já está entre nós a primeira geração que vai ser criada —ao menos em parte— por inteligências artificiais que se expressam por voz.
A famosa frase de Marshall McLuhan de que o meio é a mensagem é mais atual do que nunca. As ferramentas que criamos para atuar sobre o mundo acabam sempre transformando a nós mesmos.
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