É escritor e jornalista. Considerado um dos maiores biógrafos brasileiros, escreveu sobre Nelson Rodrigues, Garrincha e Carmen Miranda. Escreve às segundas,
quartas, sextas e sábados.
Todo o tempo
AFP | ||
A atriz francesa Danielle Darrieux, em foto de dezembro de 1959 |
RIO DE JANEIRO - Numa noite de 1967, pela primeira vez em Paris, ouvi quando alguém apontou para um castelo iluminado no outro lado do Sena e disse: "Ali mora madame Michèle Morgan". Olhei para onde o sujeito indicou e concordei que Michèle Morgan só poderia morar mesmo numa mansão como aquela. Era uma das grandes do cinema francês. Do antigo cinema francês, claro —porque, em 1967, seu tempo passara. Agora era a vez de Jeanne Moreau, Anna Karina, Catherine Deneuve, muito mais "modernas" e que —eu achava— deviam morar em apartamentinhos no Quartier Latin.
Em retrospecto, vejo hoje que, naquela noite, Michèle Morgan tinha apenas 47 anos. Como podia parecer tão... "idosa"? É que, quando fizera seu maior filme, "Cais das Sombras", de Marcel Carné, com Jean Gabin, em 1938, mal completara 18. Ali ela já era Michèle Morgan —e nunca mais deixaria de ser. Eram muitos anos de Michèle Morgan. O mundo se cansara.
Outras de sua geração e magnitude eram Danielle Darrieux, então com 50 anos, e Micheline Presle, com 45, e, para mim, também irremediavelmente "passées". Nem podia ser diferente. O apogeu de Danielle Darrieux fora em 1952, com "O Prazer", e em 1953, com "Desejos Proibidos", ambos excepcionais e de Max Ophüls. Fizera grandes filmes antes e faria outros depois, mas não tínhamos mais tempo para ela. Nem para a bela Micheline Presle, cujo "Adúltera" (1947), de Claude Autant-Lara, já traíra um certo mofo numa recente sessão de cinemateca. Éramos jovens e cruéis.
Até outro dia, as três continuavam entre nós: Micheline Presle, com 95 anos; Michèle Morgan, com 96; e Danielle Darrieux, com 100 —sendo que Micheline e Danielle ainda ativas no cinema e na TV.
Michèle morreu em dezembro. Danielle morreu na semana passada. Mas, hoje, graças ao DVD, nós, cinéfilos de 1967, temos todo o tempo para elas.
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