Carioca, é neurocientista treinada nos Estados Unidos, França e Alemanha.
Escreve às terças, a
cada duas semanas.
E se a sociopatia for tratável?
Como já escrevi aqui em duas ocasiões, cerca de 1% da população, dependendo dos critérios usados, nasce com um cérebro "diferente", que causa sofrimento nos outros e não se importa com isso, ainda que seja capaz de sofrer com as próprias dores, de sentir medo, angústia e prazer.
Esses são os sociopatas, pessoas cujo desvio da normalidade causa muito mais problemas para a sociedade do que para si mesmas. O próprio sociopata, enquanto não for preso ou punido de outra forma, leva vantagem: sem o empecilho da emoção alheia para lhe servir de freio, seu cérebro tem a liberdade de tomar as decisões que mais o beneficiarem. Sociopatas manipulam família, colegas de trabalho, "amigos", mentem, roubam e, às vezes (mas nem sempre) matam, desimpedidos pela falta de remorso –pois não sentem a dor do outro.
A neurociência vem há algum tempo mapeando as diferenças no cérebro dos sociopatas, deficiências de funcionamento que abrangem várias estruturas envolvidas no reconhecimento das emoções alheias, como a amígdala (do cérebro, não a da garganta) e a ínsula; na avaliação do estado mental alheio, como o córtex temporal superior; e na tomada de decisões baseada no resultado das próprias experiências, como o estriado ventral e o córtex órbito-frontal. Com tantas estruturas comprometidas, a sociopatia é considerada um distúrbio um tanto amplo do desenvolvimento do cérebro, impossível de tratar.
Para o neurocientista James Blair, especialista em sociopatia do National Institutes of Health dos EUA, contudo, todo o conjunto de anomalias poderia ser explicado por apenas duas disfunções: no estriado ventral, causando comportamento impulsivo e más decisões; e na amígdala, que, hiporreativa às emoções alheias, levaria ao comportamento frio, impassível ao sofrimento alheio.
A importância do modelo de Blair é a janela que ele abre para possibilidades de tratamento. Em animais de laboratório, é possível causar experimentalmente uma baixa reatividade da amígdala com a depleção de serotonina e dopamina no cérebro, e revertê-la com a normalização dos níveis desses moduladores. Por isso, é ao menos teoricamente possível que medicamentos possam reverter a insensibilidade da amígdala de sociopatas.
Se funcionar, teremos pela primeira vez um tratamento para a sociopatia –e um novo problema em mãos: com que autoridade e em que circunstâncias deve se "consertar" o cérebro alheio?
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