Suzana Herculano-Houzel

Bióloga e neurocientista da Universidade Vanderbilt (EUA).

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Suzana Herculano-Houzel

O prazer de fazer acontecer de novo e melhor

Crédito: Daniel McFadden/Sony Pictures Classics/Associated Press Cena do filme "Whiplash", sobre um professor de música e seu aluno
Cena do filme "Whiplash", sobre um professor de música e seu aluno

Não deu outra: como agora moramos em Nashville, autoproclamada Cidade da Música nos EUA, começamos com um instrumento aqui, outro ali...e rapidamente a coisa degringolou e o quartinho fora da casa virou nosso próprio estúdio, com bateria e tudo, trazida pelo amigo que vem tocar com meu marido dia sim, dia também.

Eu me divertia do sofá, na plateia; até então, meu prazer era tocar meu violão só para meus ouvidos. Mas o amigo botou um baixo na minha mão: "toca aí, que a gente hoje está sem baixista". Nunca tinha segurado um, mas o violão clássico me ensinou onde estão as notas no braço do bicho, e com os anos de aulas de teoria musical na infância, que me ensinaram a ouvir os nomes das notas na música, foi só um instante até me descobrir tocando de pé, dançando enquanto fazia os graves para a música dos rapazes.

O cérebro obtém um prazer louco em descobrir que suas ações dão resultados sensoriais interessantes, e com música não é diferente.

Quando os resultados (na forma de sons) acontecem no momento esperado, e na qualidade desejada –ou seja, você acerta a nota–, a satisfação é imediata. Os sons graves, de baixa frequência, ainda dão um bônus, pois estimulam não só a cóclea, que repassa ao cérebro o relatório de quais sons aconteceram quando, mas também o labirinto, ao lado, dentro do ouvido, que sinaliza movimento.

Um baixo bem marcado, ou até melhor, sincopado, dá ao cérebro a sensação do corpo se balançando ao som da música.

Resultado: o cérebro naturalmente faz o corpo balançar de fato, acompanhando o ritmo.

Outra noite, numa pausa, me botaram na bateria. Já havia tentado umas tamboriladas hesitantes, acanhadas, e achado que a coisa não era para mim.

Nada que umas poucas instruções do meu marido não mudassem: "segura as baquetas assim, firmes; bate com o braço todo, e não só com o pulso; e manda ver, com força".

E não é que bater com força transforma tudo? A qualidade do som é outra, e com mais neurônios e músculos envolvidos, as ações ficam mais estáveis, os intervalos, regulares –e ouvidos e labirinto acusam os sons graves, ritmados, chegando nos momentos esperados, resultados das minhas próprias ações. O barato é imediato.

Não é à toa que tocar música, como jogar videogame, é tão envolvente. Recorrentes e cíclicas por natureza, são atividades que nos permitem repetidamente tentar e acertar: fazer acontecer e curtir imediatamente o resultado –e querer fazer de novo, agora melhor. Poucas coisas na vida nos dão essa chance.

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