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sylvia colombo

crônicas de Buenos Aires  

07/02/2012 - 07h00

Cristina eterna

A ideia já estava no ar desde o fim da campanha eleitoral, em outubro do ano passado. Tanto oposicionistas como governistas temiam, ou esperavam, que Cristina Kirchner, tendo obtido um êxito contundente nas urnas, apresentasse logo a proposta de mudar a Constituição para permitir sua própria reeleição indefinida como presidente.

Na Argentina, o terceiro mandato é proibido por lei. Para muda-la, é preciso ter mais de dois terços de aprovação no Congresso. Atualmente, os kirchneristas, apesar de terem a maioria no Senado e na Câmara de Deputados, não possuem votos suficientes para aprovar a mudança. Porém, o grupo tem se mostrado eficiente para cooptar novos apoios e fazer alianças entre a oposição. Mesmo porque esta foi derrotada de forma humilhante nas urnas e, se estava desmembrada antes da eleição, agora dá a sensação de ter desaparecido completamente.

Logo após a posse, em dezembro, veio o episódio da doença de Cristina. A conversa sobre a reeeleição saiu um pouco da pauta para dar lugar a boletins médicos e seus desmentidos.

Nas últimas semanas, porém, membros do governo e parlamentares oficialistas voltaram a falar do assunto, em distintas ocasiões. A maior defensora da ideia é a deputada ultrakirchnerista Diana Conti, que já havia dito que a reforma permitiria o "aprofundamento do modelo" e viabilizaria o projeto de "Cristina eterna". Seus apoiadores começam a sair das sombras. Entre, eles, está o vice-presidente Amado Boudou, que manifestou sua aprovação num ato fechado do governo. No fim de semana, foi a vez do deputado Carlos Kunkel, um ex-militante montonero muito influente na alta cúpula.

Outro dos principais apoiadores da ideia de "Cristina eterna" é nada menos que o membro mais importante da Corte Suprema do país, o juiz Eugenio Raúl Zaffaroni. Acusado no ano passado de estar envolvido num esquema de exploração da prostituição --imóveis seus na capital eram usados como bordeis--, Zaffaroni é um legítimo "juiz K". Muito próximo ao governo, obteve apoio incondicional da presidente e de seus funcionários mais próximos.

O resultado foi que o escândalo não foi investigado, tampouco punido. Pois Zaffaroni é um defensor da ideia de que o país passe a adotar o sistema parlamentarista. Por meio deste, o kirchnerismo poderia ficar no poder sem limitação de tempo.

A última pesquisa Latinobarômetro, que se realiza na maioria dos países da América Latina e cujo principal objetivo é medir a satisfação e a eficiência da democracia com relação às expectativas da população, apontou uma popularidade muito grande da reeleição. Entre os países que mais aprovam o recurso, os campeões são Argentina (77%), Brasil (72%) e Uruguai (69%).

Existem, de fato, alguns governos latino-americanos campeões de continuidade na América Latina hoje.

Projetos como a Frente Ampla uruguaia, o PT no Brasil, o kirchnerismo na Argentina, o bolivarianismo de Hugo Chávez na Venezuela e mesmo os conservadores na Colômbia se mostraram muito eficientes em responder a anseios populares.

É certo que o continente atravessou uma fase generalizada de muito crescimento econômico, principalmente devido à alta das commodities. Mais do que qualquer discurso, parece ter sido esse o principal motivo da alta aprovação desses governos. Mas isso não opaca seus méritos em vender uma imagem de sucesso político aliado a um discurso ideológico convincente.

Há quem diga que os kirchneristas terão pressa para mudar a Constituição agora, enquanto os índices de popularidade da presidente estão altos, porque nos próximos meses ninguém pode garantir o mesmo cenário, já que se avizinha uma crise econômica de proporções mundiais e a perspectiva de crescimento do país é bem menor do que a de 2011.

É, porém, no mínimo preocupante que membros do governo proponham uma reforma constitucional neste momento, sem outro motivo aparente que o de beneficiarem-se. Afinal, não há uma justificativa clara que justifique uma mudança na carta. Num país com tanta fragilidade institucional como a Argentina hoje, uma alteração nas leis com vistas a perpetuar um projeto político aumenta a sensação de promiscuidade generalizada entre os poderes. Se quem corrobora a ideia são um juiz da Corte Suprema e o próprio vice-presidente em exercício e chefe do Senado, é mesmo desalentador.

Resta apenas esperar que parta da própria presidente um posicionamento democrático e institucional, respeitando a alternância de poder e fazendo com que em 2015 ela entregue o cargo a outro político, de seu partido ou de outro.

sylvia colombo

Sylvia Colombo é correspondente da Folha em Buenos Aires. Está no jornal desde 1993 e já foi repórter, editora do "Folhateen" e da "Ilustrada" e correspondente em Londres. É formada em jornalismo e história. Escreve às terças-feira no site da Folha.

 

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