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sylvia colombo

crônicas de Buenos Aires  

05/06/2012 - 07h00

Quando as ruas falam

Sexta-feira, por volta das 22h, na esquina das avenidas Callao e Santa Fe, em Buenos Aires, um garoto com uma manta verde caminhava em meio a manifestantes. Arrastava, atados a seus pés por correntes, duas panelas.

Era um dólar. A simples, porém divertida, fantasia resumia o espírito de revolta daquele encontro, convocado por meio do Twitter e do Facebook, e que reuniu mais de 5.000 pessoas nas ruas da cidade nos últimos dias da semana passada.

As bandeiras do levante, além da restrição à compra do dólar estabelecida pelo governo, eram a insegurança e as acusações de corrupção de altos funcionários.

Ainda se trata de um movimento pequeno, mas que guarda semelhanças com a agitação popular que começou a ganhar as ruas em 1999, quando teve início a última grande crise político-econômica da Argentina, e que resultou, em 2001, na queda do governo De la Rúa.

Naquele período, as classes média e baixa saíam às ruas revoltadas com o "corralito", que limitava a retirada de suas economias do banco, e o fim da dolarização, com a desvalorização do peso.

Hoje, o país é outro. Depois de uma década de crescimento econômico, recuperação do emprego e relativa estabilidade, méritos da administração Kirchner, os argentinos sentem mais segurança com relação ao bolso.

Porém, a alta inflação, o reflexo da crise internacional e a queda da produção industrial começam a causar impacto na economia. O impedimento de comprar dólar, principal investimento dos argentinos, gerou revolta. Esta se agravou depois que governantes, que fazem investimentos pessoais em dólar, disseram que a Argentina deveria abandonar essa "obsessão".

Apesar de não ter a mesma gravidade de 2001, a situação é delicada, os humores dos 46% dos que não votaram em Cristina Kirchner estão agitados, e as pessoas voltaram a sair às ruas.

Na manifestação da última sexta-feira, viam-se jovens, muitas mulheres de meia-idade, casais com filhos pequenos --que batiam palmas e já eram, assim, iniciados a protestar ao estilo argentino.

O movimento se deu com mais força em bairros nobres, Recoleta, Palermo e Belgrano, apesar de ser registrado também em outros menos acomodados, como Santelmo, Boca e Caballito.

Porém, não eram milionários os que estavam nas ruas, mas sim pessoas comuns de classe média, munidas de apitos, colheres, panelas e canecas, ou simplesmente batendo palmas.

Carregavam cartazes sobre causas diversas: "Justiça por Once" (referindo-se à tragédia de trem em que morreram 51 pessoas), "Não queremos virar a Venezuela" e "Não à perseguição à imprensa".

O fato de a concentração acontecer nesta zona gerou muita reação nos apoiadores do governo, que chamaram o movimento de elitista e o consideraram, por isso, menos válido. Um apresentador de TV disse que as pessoas que estavam nas ruas eram as mesmas que "antes batiam na porta dos quartéis para chamar os militares", para pedir ordem. Enquanto isso, o chefe de gabinete, Juan Manuel Abal Medina, disse que o panelaço era "do ódio e da abundância".

No Twitter, havia dois "hashtags" para o evento. "#cacerolazo" chamava para a manifestação, enquanto "#caceroludos" era dedicado às gozações. O ambiente de polarização se agravou quando uma equipe do programa governista "6,7,8" foi lamentavelmente atacada enquanto tentava cobrir o panelaço.

Curiosamente, os meios, de um modo geral, estão cobrindo de forma muito discreta. Nem os de oposição, que pertencem ao Grupo Clarín ou o "La Nación", dedicaram muito espaço para o tema, contrastando com o clima nas ruas. A explicação pode ser o medo de serem acusados de insuflar uma rebelião popular mais séria.

A presidente ainda não se manifestou sobre o movimento, e seus líderes ainda não definiram uma pauta nem apareceram para dizer com todas as letras o que se pretende. Mas a insatisfação e a "crispación" estão no ar e começam a ganhar volume no país, no ritmo já conhecido das panelas.

Na próxima quinta-feira está programado um novo protesto, desta vez na histórica Praça de Maio.

sylvia colombo

Sylvia Colombo é correspondente da Folha em Buenos Aires. Está no jornal desde 1993 e já foi repórter, editora do "Folhateen" e da "Ilustrada" e correspondente em Londres. É formada em jornalismo e história. Escreve às terças-feira no site da Folha.

 

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