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sylvia colombo

crônicas de Buenos Aires  

12/06/2012 - 07h07

Tropeços

A semana que passou foi cheia de percalços para o governo argentino. As repercussões das novas medidas que restringem a compra de dólares continuaram a alimentar o noticiário e o debate nas redes virtuais e reais. Na quinta à noite, um novo panelaço juntou quase 5 mil pessoas na Praça de Maio para protestar contra a nova norma, a corrupção, a inflação e a falta de segurança.

Apesar de estar em conflito aberto com a imprensa opositora, "Clarín" e "La Nación", especialmente, só agora o governo tem sentido um alerta importante vindo da sociedade. É fato que esses jornais alimentam a oposição, mas é só agora, quando há uma ameaça real ao bolso e à economia dos argentinos, que as pessoas estão se mobilizando e passando a questionar o governo. Ambos os jornais, que acompanham com discrição a movimentação, provavelmente para não serem acusados de insuflar um levante popular, parecem não estar influenciando essa subida de temperatura do desagrado por parte dos 46% que não votaram em Cristina.

Segundo a consultoria Management & Fit, a desaprovação de sua imagem vem crescendo, de 29%, em outubro, na época de sua reeleição, para 50%, neste mês.

A queda de popularidade está intrinsecamente relacionada com o aumento da percepção de que algo vai mal na economia. Segundo o mesmo instituto, 58,8% dos argentinos considera que a situação geral do país nessa área estará pior nos próximos meses.

O dólar, nesse contexto, foi apenas a gota d'água. A inflação tem se mostrado cada vez mais visível para a população de baixa renda, que já não pode comprar os mesmos itens da cesta básica pelo mesmo valor do ano passado, e pelos mais ricos, que sofrem ainda por não poderem comprar alguns importados, parados nas fronteiras pelas barreiras protecionistas.

Além dos panelaços, o governo vê crescer a insatisfação de alguns setores importantes. Também na semana passada, foi anunciada uma greve no campo. Parcial, e sem envolver produtos perecíveis, ainda assim o movimento causou impacto, por estampar os principais líderes ruralistas de punho em riste e criticando abertamente o governo, de quem haviam se aproximado no fim da gestão Cristina. Foram registrados alguns cortes em estradas. Ainda não há desabastecimento nem confusão, mas é uma área muito sensível.

Com mais poder de abalar o kirchnerismo, no fim da semana foi a vez dos caminhoneiros, liderados por Hugo Moyano, apontarem um limite. O sindicato, um dos mais importantes da Argentina, pede um aumento de 30%, e anunciou que está em "pré-greve", que se traduziu por algumas interrupções e cortes de vias.

O governo acusou o golpe. Entre outras coisas, conseguiu interromper uma onda de insatisfação com relação ao candidato que escolheu para ocupar o cargo vago de procurador-geral, Daniel Reposo. Tendo se mostrado abaixo das qualificações para a posição, sua indicação estava sendo vista como uma jogada política pouco ética, uma indicação forçada por ser um aliado do vice-presidente, Amado Boudou, acusado de tráfico de influências.

Na quinta-feira, depois de uma longa e desgastante sessão no Senado em que foi acuado por perguntas que não soube responder, Reposo retirou sua postulação e o governo apoiou a retirada.

Ainda é cedo para saber como será canalizada essa frustração que começa a aparecer nas ruas e nas decisões de alguns grupos políticos importantes.

O fato é que o clima no governo por ora é de preocupação e de medir bem as medidas e anúncios. Especula-se inclusive, em alguns meios, que Cristina tentaria antecipar para o primeiro semestre de 2013 as eleições legislativas previstas para o segundo. Seria uma forma de fazer com que o desgaste não chegasse a um ponto difícil de contornar.

sylvia colombo

Sylvia Colombo é correspondente da Folha em Buenos Aires. Está no jornal desde 1993 e já foi repórter, editora do "Folhateen" e da "Ilustrada" e correspondente em Londres. É formada em jornalismo e história. Escreve às terças-feira no site da Folha.

 

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