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sylvia colombo

crônicas de Buenos Aires  

26/06/2012 - 07h00

O fantasma do Paraguai

A destituição do presidente paraguaio Fernando Lugo, apesar das consequências negativas para a região, chega num momento oportuno para a presidente Cristina Kirchner.

Na sexta-feira, pouco depois da decisão do Senado guarani que definiu o futuro do ex-bispo, Cristina apareceu diante dos meios numa raríssima ocasião em que esteve disposta a enfrentar microfones e a responder perguntas.

Enfática, disse que o "impeachment" era um "golpe de Estado, sem lugar a dúvidas" e que passaria a tomar decisões sobre uma reação comum junto com Brasil e Uruguai, como se viu depois. A Argentina foi o primeiro país a retirar seu embaixador de Assunção.

Nas entrelinhas da fala de Cristina, porém, pode-se ler uma mensagem interna, destinada aos grupos sociais que têm se manifestado contra a presidente argentina.

Cristina aponta para o país-vizinho e acusa de "destituintes e antidemocráticas" as forças conservadoras que lograram derrubar Lugo e que poderiam ser imitadas em Buenos Aires.

Nas últimas semanas, Cristina tem sido alvo de manifestações de rejeição à sua política econômica, à alta inflação e à corrupção de altos funcionários. Primeiro foram os panelaços promovidos por setores da classe média e média alta. Depois, os produtores do campo, que realizaram uma greve de alerta de uma semana.

Agora, porém, Cristina enfrenta seu inimigo mais forte. Nenhum grupo de mídia, partido político ou associação empresarial tem o poder do líder caminhoneiro Hugo Moyano, presidente da CGT (Confederação Geral dos Trabalhadores).

O órgão tem ao todo mais de 8 milhões de filiados, e associações importantes com outros sindicatos. Uma pequena demonstração de sua força foram as suspensões de jornadas que organizou, nas últimas semanas, causando a falta de notas nos caixas automáticos de Buenos Aires e a interrupção da distribuição de combustível por dois dias em todo o país.

Moyano encerrou a greve quando conseguiu dos empresários ter atendida uma reivindicação de aumento de salário. Porém, o líder sindical deixou bem claro que esse era apenas um item, e não o mais importante, entre as suas reclamações.

Os caminhoneiros querem pagar menos impostos e ter mais acesso a planos de assistência do governo. Além disso, Moyano está determinado a ser reeleito na CGT (a votação ocorre no mês que vem) e para isso quer conquistar mais benefícios, para assim garantir apoios.

A relação entre Cristina e Moyano nunca foi boa. O caminhoneiro era um forte aliado político de Néstor Kirchner (1950-2010), e uma das principais bases de apoio do falecido marido de Cristina. Nos últimos tempos de sua gestão, porém, os dois se afastaram.

Diz-se que Cristina não o suporta porque Moyano teria sido uma das últimas pessoas com quem Néstor conversou (e discutiu) antes de morrer. O líder sindical o deixou nervoso e poderia ter detonado o enfarte que o matou.

Moyano tem mais presença pública que os principais líderes da oposição, que ainda não saíram da prostração após a eleição de 2011, quando foram humilhados de tão mal votados.

O sonho do caminhoneiro, reiterado várias vezes, é ver "um trabalhador no poder", e o exemplo de Lula sempre é evocado numa comparação com as suas aspirações políticas.

Nos últimos tempos, Cristina afastou-se muito da CGT e preferiu o apoio do grupo juvenil La Cámpora. Moyano despreza este que já se tornou praticamente um partido e que tem integrantes em funções diretivas de várias estatais, das Forças Armadas e da Aerolíneas Argentinas.

Há quem compare esse embate com o dos sindicalistas liderados por Rucci, líder sindical que foi braço direito de Perón, nos anos 70 e os montoneros. Rucci terminou sendo assassinado, causando a ruptura entre Perón e o grupo guerrilheiro.

A Moyano, o La Cámpora não é nada mais do que um grupo de "niños bien" (garotos ricos) e não representam de maneira alguma os trabalhadores argentinos.

Pois Moyano acaba de convocar uma grande manifestação para amanhã, na Praça de Maio. Se os "caceroleros" não puderam reunir mais do que 5.000 pessoas em protestos recentes, Moyano promete encher a praça, e tem poder para isso. Nesse mesmo dia, também haverá greve de entregadores de combustível.

Antecipando o caos, os portenhos já fazem filas nos postos de gasolina, para encher o tanque antes da suspensão da distribuição. Pelas redes sociais, discute-se a adesão ou não da classe média à manifestação caminhoneira.

Antecipando uma grande mobilização de repúdio, Cristina eleva a voz contra o direito de greve e de manifestação. Na semana passada, mandou a gendarmeria garantir o abastecimento de combustíveis, e notificou judicialmente a Moyano.

Agora, agarra-se no discurso de defesa da democracia e da institucionalidade, apontando para o Paraguai. Mesmo que a posição do Mercosul seja de comum acordo entre os países-membros, Cristina não tem o direito de usar o drama do povo paraguaio para construir sua defesa contra o que chama de interesses oligárquicos e das grandes corporações. Deveria, sim, atacar a raiz da insatisfação social em seu próprio país: a inflação que come o salário dos trabalhadores e a corrupção que mancha o seu próprio gabinete.

sylvia colombo

Sylvia Colombo é correspondente da Folha em Buenos Aires. Está no jornal desde 1993 e já foi repórter, editora do "Folhateen" e da "Ilustrada" e correspondente em Londres. É formada em jornalismo e história. Escreve às terças-feira no site da Folha.

 

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