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sylvia colombo

crônicas de Buenos Aires  

23/08/2011 - 07h00

Pão e circo

A oposição argentina está nocauteada, tentando entender porque perdeu de lavada para a candidata da situação, a peronista Cristina Kirchner, nas primárias do último dia 14.

Por mais que fosse esperado que a viúva de Néstor fosse levar mais votos que os concorrentes, houve uma surpresa generalizada com relação ao número final, 50,1%, contra humilhantes 12,2% dos segundo e terceiro lugares.

Isso porque Cristina vinha colecionando derrotas eleitorais importantes, nas províncias de Santa Fe, Córdoba e na capital, Buenos Aires. Além de ter sido atingida por um escândalo envolvendo as Mães da Praça de Maio e pelo do juiz kirchnerista Zaffaroni, que tinha prostíbulos funcionando em seus imóveis.

Nada foi capaz, porém, de ameaçar a arrasadora vitória da presidente. As razões de seu sucesso são várias. Entre elas, a relativa bonança econômica que o país vive, apesar da alta inflação, o baixo índice de desemprego, os subsídios que mantêm estáveis muitos preços e o assistencialismo social.

Um aspecto que se mostra tão importante quanto estes são suas ações voltadas à diversão, como o programa Futebol para Todos. Através dele, foi estatizado o campeonato da primeira divisão, fazendo com que as transmissões virassem um canal explícito de propaganda governista.

Nesse processo, o governo conseguiu fazer com que a Associação Argentina de Futebol desfizesse um contrato que tinha com um canal do grupo "Clarín" (com quem está em guerra desde 2008) para passar a transmitir as partidas através de sua própria emissora.

Mais recentemente, foi aberta a gigantesca mostra de ciência e tecnologia Tecnópolis. Outro empreendimento de entretenimento e propaganda do governo.

A exposição acabou no último domingo. Mas, devido ao sucesso, voltará no dia 2 de setembro e ficará até 27 de novembro. A ideia do parque temático é contar a história de dois séculos de avanços tecnológicos do país, fechando as comemorações dos 200 anos de independência.

Tecnópolis respondeu a um calculado plano de marketing político. Aberto algumas semanas antes das eleições primárias, mostra a Argentina dando um salto para o futuro, com o selo bem visível do governo federal.

Com entrada gratuita, foi vista por mais de 2 milhões de pessoas. O público alvo são estudantes secundaristas, mas acabou virando uma atração familiar nas férias de inverno.

Não há informação oficial sobre quanto foi gasto, pois a transparência não é um dos atributos deste governo. Fala-se em 60 milhões de pesos (cerca de US$ 15 milhões), mas opositores clamam que foi o dobro.

Cristina queria que Tecnópolis acontecesse em Buenos Aires, mas o governo municipal, do oposicionista Maurício Macri (PRO), colocou obstáculos. Foi então transferida para Villa Martelli, na província de Buenos Aires, que é governada por um kirchnerista.

O novo local ainda agregou mais um elemento publicitário, uma vez que no passado funcionava ali o Batalhão 601, onde havia um centro clandestino de repressão durante a ditadura. Os direitos humanos são uma bandeira do casal Kirchner.

A exposição ocupa uma área impressionante de 50 hectares. Numa fria tarde de inverno da semana passada, os ali presentes não pareciam sentir nenhum incômodo em enfrentar gigantescas filas a céu aberto para ver as atrações.

A entrada para algumas delas chegava a durar horas. No dia em que fui, uma das mais disputadas era a dos Glaciares Argentinos, que reproduzem os grandes blocos de gelo que se quebram e caem na água e são um símbolo da Patagônia, de onde veio o casal Kirchner.

As atrações são inúmeras, divididas nos blocos ar, mar, terra, fogo e imaginação. Entre elas, observatório, planetário, setor de paleontologia, atrações em 3D, robôs, aviões, foguetes e até a cápsula que salvou os 33 mineiros chilenos que ficaram soterrados sob a terra.

Seria sem dúvida uma grande atração educativa e de entretenimento, se a propaganda nacionalista-kirchnerista não fosse tão ostensiva. Logo na entrada, vemos um arco no qual está pendurada a constituição do país. Ao lado, um homem que acaba de romper os grilhões que o atavam e várias urnas, representando o direito de votar...

Nos últimos dias da mostra, veio o festivo fechamento, coroado pela vitória de Cristina nas primárias. A presidente voltou a Tecnópolis. Primeiro, por videoconferência, conversou com o presidente paraguaio, Fernando Lugo. Falaram de projetos conjuntos e ela, humilde, aproveitou para pedir desculpas pela Guerra do Paraguai.

Depois, passou a entregar netbooks para adolescentes de escolas secundárias. O computador de número 1 milhão foi para um garoto cego. Com a ajuda de um software, o menino leu um poema e abraçou a presidente. Assim posaram para os fotógrafos.

No dia em que se conheceram os resultados das primárias, um jornalista perguntou ao governador kirchnerista da província de Buenos Aires, Daniel Scioli, como ele achava que seria o próximo governo de Cristina. Scioli definiu com poucas palavras: "Será como Tecnópolis".

Ou seja, a diversão e o progresso tecnológico estarão na vitrine, ainda que não se revelem os custos e que venham acompanhados de explícita propaganda governamental.

sylvia colombo

Sylvia Colombo é correspondente da Folha em Buenos Aires. Está no jornal desde 1993 e já foi repórter, editora do "Folhateen" e da "Ilustrada" e correspondente em Londres. É formada em jornalismo e história. Escreve às terças-feira no site da Folha.

 

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