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sylvia colombo

crônicas de Buenos Aires  

18/10/2011 - 07h00

Manipulando Perón

A presidente Cristina Kirchner deve ser reeleita no próximo domingo, com uma votação histórica que, segundo pesquisas, ultrapassará os 50% dos eleitores.

Mas a mandatária peronista não quer só isso. Agora busca entrar para a história como um ícone idolatrado pelo povo. Para isso, apóia-se nos dois maiores símbolos populares do país: o general Juan Domingo Perón, que governou o país entre 1946 e 1955 e 1973 e 1974, e sua mítica mulher, Eva Perón, que morreu tragicamente aos 33 anos, em 1952.

Em julho, Cristina inaugurou um imenso mural com a imagem de Evita no ministério de Desenvolvimento Social, usando como exemplo a grande imagem de Che Guevara que está na Praça da Revolução, em Havana (Cuba).

É preciso ler duas vezes para acreditar. Não, o mural de Evita não foi colocado na sede do partido peronista, mas sim num prédio público, pertencente ao governo federal. Sinal de que os kirchneristas não pretendem abandonar o poder tão cedo? Na ocasião, Cristina justificou-se: "Eva é um ícone cultural de todos os argentinos".

Agora, acaba de chegar aos cinemas o filme "Juan y Eva", que conta a história do romance do general Perón e a jovem aspirante a atriz. Edulcorado e televisivo, o filme enaltece o encontro do casal que mudaria a história da Argentina. Cristina, depois de assisti-lo, teceu elogios e mandou essa: "Não sei se algum dia farão o filme de Néstor e Cristina. Também foi uma grande história de amor. É e será a minha história de amor".

O filme não passaria de apenas mais um exemplo de uso político de personagens históricos, caso não viessem à tona mais elementos que expõem um pouco mais o modo como o kirchnerismo opera.

"Juan y Eva" foi financiado pelo instituto nacional de cinema, o INCAA. Responsável por boa parte do sucesso da maioria dos filmes importantes dessa boa fase do cinema argentino, o órgão, porém, vem sendo questionado.

Cineastas independentes dizem que o processo de seleção tem favorecido os mesmos de sempre e arriscado pouco. O instituto administra um orçamento de 300 milhões de pesos, obtidos de fundos próprios e do ministério do Planejamento.

A "Juan y Eva", que foi declarada obra de "interesse especial", foi destinado um crédito maior do que o habitual, somando mais de 3 milhões de pesos. Mas o problema não está aí.

A direção do filme é de Paula de Luque, que vem a ser a ex-mulher do atual secretario de Cultura, Jorge Coscia, que por sua vez dirigiu o INCAA e é investigado pela Justiça por desvios e irregularidades dentro do órgão. Além disso, na equipe de produção do filme estão alguns funcionários do próprio INCAA.

Após denúncia feita pelo jornal "Clarín", opositor ao governo, o caso foi parar na Auditoria Geral da Nação.

O INCAA também está envolvido na produção do filme "Eva de la Argentina" e dos programas de TV "Todo lo que Quiso Saber Sobre el Peronismo y no se Atrevió a Preguntar", um documentário, e "El Pacto", uma minissérie cujo objetivo é contar uma versão oficial do caso Papel Prensa, um dos pontos de discórdia entre o governo e o grupo "Clarín".

Como cinema, "Juan y Eva" é fraquíssimo. Ambos personagens são caricatos e simplórios. Impressiona (ou não) Cristina ter gostado da representação de Eva, pois ela surge como uma mulher autoritária e belicosa.

O filme se diz apolítico, com o argumento de que se centra apenas no romance de ambos _a história acaba no dia 17 de outubro de 1945, quando uma grande manifestação popular em Buenos Aires exigiu a libertação de Perón, que havia sido detido pelos militares.

Mas é difícil sair da sala de cinema sem fazer um julgamento político. O filme mostra as articulações de Perón com os sindicatos, como se deram os bastidores de suas principais decisões e o enfrentamento com o embaixador norte-americano Spruille Braden.

Em determinado momento, duas pessoas próximas ao general discutem o que está acontecendo. Uma delas diz que está nascendo algo novo, e complementa "já se fala de peronismo". Se isso não é um filme político, não sei do que se trata.

Não seria nada mau fazer filmes sobre Perón e Eva se a intenção fosse fazer uma releitura crítica, para tentar entender a força de ambos os símbolos, importantíssimos na cultura política local. Mas não é o caso, "Juan y Eva" é puro panfleto, lançado estrategicamente próximo às eleições.

É triste diagnosticar os descaminhos do INCAA, que possui recursos para impulsionar a produção argentina, hoje a melhor cinematografia da América Latina.

sylvia colombo

Sylvia Colombo é correspondente da Folha em Buenos Aires. Está no jornal desde 1993 e já foi repórter, editora do "Folhateen" e da "Ilustrada" e correspondente em Londres. É formada em jornalismo e história. Escreve às terças-feira no site da Folha.

 

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