Tati Bernardi

Escritora e roteirista de cinema e televisão, autora de “Depois a Louca Sou Eu”.

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Tati Bernardi

"Come-Come"

Na sexta passada, dia em que não teve nenhum jogo, topei me reunir numa produtora de cinema que fica na Vila Madalena. Estava fugindo do bairro desde o começo da Copa, por causa das ruas fechadas, do trânsito e da bagunça generalizada. No meio do caminho, me arrependi.

Primeiro foi um grupo de argentinos que interrompeu a minha passagem na rua Harmonia. Eles pulavam, cantavam e tentavam me fazer participar da roda. Eram três da tarde e eles fediam a cachaça, sovaco e chorume. Mendigos do amor frugal.

Me senti no joguinho "Come-Come" porque, assim que consegui me desvencilhar dos hermanos mal cheirosos, um americano gordão de bochechas muito vermelhas uivou pra mim. Quem é que, em sã consciência, uiva pra alguém no meio da rua, em dia e horário de trabalho, e acha que tá abalando na conquista?

Com o susto, atravessei a rua sem olhar e quase fui atropelada. Do outro lado, mais "estrangeiros", talvez amigos recentes da morsa com alma de lobo que tinha acabado de danificar meu tímpano esquerdo, resolveram me dar um animalesco "ôemenena". Gritavam, salivavam, tiravam a camisa, arrotavam, tentavam puxar a franja da minha bolsa. Acho que a última vez que passei por algo tão bizarro foi em alguma matinê em 1994.

Se nem com 14 anos eu gostava de levar cantada intrusiva, com 35 eu tenho vontade de emitir lanças assassinas das biquetas dos meus seios. Vontade de enfiar meu salto na bola esquerda de um idiota desses. Nada contra meter um shortinho no esôfago e flertar com neandertais importados. Cada um é livre pra fazer o que quiser. Mas eu também deveria ser livre pra chegar tranquila à minha reunião de trabalho.

Poxa, a Vila, meu lugarzinho de tomar chá com amigos e comprar vestidos floridos. Me bateu uma forte mistura de feminismo guerrilheiro com alma pudica.

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