Tati Bernardi

Escritora e roteirista de cinema e televisão, autora de “Depois a Louca Sou Eu”.

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Tati Bernardi

Sobre a minha coluna

DE SÃO PAULO

Tenho a espinha dorsal de uma idosa que carregou durante oito décadas uma mochila com toda a coleção Barsa 22 volumes. Já frequentei fisioterapias, shiatsus, acupunturas e milagres extremamente específicos como "dança que simula pilates com aplicação de GDS em posturas da yoga Iyengar". Nada resolve.

Um chinês budista orgânico vegetariano, que curou minha rinite com injeções de mato (até hoje não me conformo de ter tomado isso e repito sorologias anuais), proferiu há cinco anos, com muito mistério nos olhos: "Ou trabalha menos ou piora muito". Poxa, que gênio.

Não é exatamente labuta o que eu exerço com intensidade. Das 15 horas diárias que fico no computador, só umas seis estou escrevendo. O resto eu tô arrumando assunto lendo desde artigos gringos supercabeças (no máximo uns dois que abandono no meio porque meu inglês não é lá essas coisas e eu padeço daquela inteligência mediana que facilmente se entedia) até imbecilidades (umas 500 que me obcecam e quando vou ver são três da manhã e não terminei o trabalho) como a foto do risotinho caseiro de linguiça que a Dudinha fez pra comemorar o primeiro ano de casamento. Ah, Dudinha, #vaiterperistalse nessa noite tão especial.

Dar uma olhada na vida comezinha on-line de outrem, tal qual pular da minha varanda que fica no nono andar, é deliciosamente fatal. Quando você contempla o abismo, o Facebook olha de volta pra você. Só que eu saio na vantagem porque, em vez de morrer pra sempre, apenas inexisto por algumas horas. Poucas coisas são mais prazerosas do que burlar o inevitável "tenho uma vida adulta" celebrando a miséria humana.

Mas voltando à coluna. A nova modalidade é uma dor tremenda exatamente na esquina da nuca com a cabeça. Começa no elevador da escápula (adoro esse nome) e vai até o cocuruto (também adoro esse). Minha professora de "musculação cardiofuncional em bolas suíças" sinalizou semana passada, depois de me fitar com íris profundas: "Tem que descansar mais". Poxa, uma expert.

Desde que meu feromônio mais expressivo virou cheiro de Salonpas, abri mão de sensualizar com toda uma cidade e aquietei. Cabou juventude. Gastei 17 anos de previdência privada num colchão da Nasa pra descobrir que jamais se deve sentar em suas bordas (você é arremessado sem dó, e de ponta-cabeça, para outro cômodo da casa) e que um relaxante muscular misturado com meio ansiolítico é o único abracinho de Deus existente para vertebrados infiéis. Se tudo isso vier somado a uma banheira quente, o divino faz mais do que te abraçar. Ele te massageia o sacro.

Certa feita me indicaram um psiquiatra espírita cromoterapeuta (e se tem uma coisa que a dor crônica cura é a falta de esperança). Ele me recomendou 12 passes, dois anticonvulsivantes e camisetas da cor índigo. Disse que meu problema era sujeira nas correntes psíquicas e loucura. Eu insisti brandindo no ar minha ressonância toda canetada em vermelho: "aqui diz que eu tenho problemas na C1, C2, C3 e C7". Ele insistiu que era só uruca e psicose mesmo.

Sigo gastando todo o meu salário pra melhorar de minhas algias e colhendo como resultado um contínuo, certeiro e absoluto nada. Mas meu professor de "aeroalongamento estrutural com ênfase em reestruturação cervical e princípios da reflexologia" disse, vislumbrando com certo estrabismo um longínquo horizonte: "Pelo menos você não piorou". Poxa, um sábio.

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