Tati Bernardi

Escritora e roteirista de cinema e televisão, autora de “Depois a Louca Sou Eu”.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Tati Bernardi

Os achados

DE SÃO PAULO

Silvia, professora de ioga, acha que se eu conseguir mandar os ísquios pra terra e o cóccix pro céu, melhoro. Sandra, tia por parte de não lembro, me ligou do seu apartamento da Barra pra dizer que com a Dilma viramos a Venezuela. Mas aí onde cê mora não parece Miami, tia? Ela acha que não. Maria, empregada, acha que esse pó desgraçado vem da obra do prédio ao lado. Os estudantes da PUC, aqui em frente, acham que tudo bem batucar até duas da manhã. Julia, socióloga e roteirista da Globo, acha o fim da picada usar o termo "empregada doméstica". Carô, publicitária e irmã de Julia, odeia essa hipocrisia de "secretária do lar" da irmã "vendida pro sistema". Dona Beth, mãe, acha que Campos levou com ele a esperança do Brasil. Mas ela só acha isso desde ontem. Fábio, ex-namorado, acha que quando eu escrevo sobre dores ou fobias estou perdendo uma grande oportunidade de me posicionar politicamente. Saulo, jornalista, acha que essas merdas que tenho na parede não são arte nem aqui nem na China. Dr. Marcos, ginecologista, acha que depois dos 35 complica mesmo, mas que não devo passar essa ansiedade pro parceiro. Pedro, parceiro, acha que não custava eu aprender a cozinhar umas coisinhas e sair da frente do computador pelo menos hoje ou, ele acha, vai embora. Vitória, diretora, acha que tenho que fazer o roteiro totalmente por amor. O dinheiro vem depois. Depois quando? Ela acha que na metade do segundo semestre do ano que vem. Paulinho, cabeleireiro, tem horrooooor da Marina. Porque ela é feeeeeeeia. Seu marido acha o "uó" ele falar isso. Tem que ter pavor dela porque ela é evangélica, seu preconceituoso! A manicure, evangélica, acha "sem noção" julgar alguém pela religião. Paulinho acha que ela vai proibir o casamento gay. Seu marido acha casamento o "uó". A manicure acha que Paulinho é corno. Deusa, da drenagem, acha que o grande vilão é o sal. E muito pão com azeite e chocolate e refrigerante e chiclete de melancia? Ela ainda assim fica apenas com o sal. Isabelle, amiga meio distante, acha que ironia é medo e que existe felicidade plena e amor absoluto. Fabiana, dermatologista, acha que sua máquina que dá choques na bunda é revolucionária, desde que o paciente malhe duas horas por dia e faça uma dieta. Eu só vim aqui pra resolver essa mancha de sol, doutora. Ela acha um desperdício. Alice, amiga, me chamou pra um almoço sério porque acha que eu tenho que abraçar o popular e não tentar ser cabeça. Luiz, produtor, acha que já deu de peças e filmes e textos engraçadinhos se eu quero ser mais respeitada. Ele acha que tá na hora. Jorge, meu porteiro, acha que se eu parar o carro mais pra lá viu dona a carta assinou faz assim você que sabe quer agora pode ser foi ontem. Julia acha que pronomes possessivos somados a profissões de baixa renda diminuem ainda mais a condição dessas pessoas e me mandou um link sobre a "neoescravidão". Maria não sabia desse papo de secretária do lar e achou ridículo e acha que bola pequena é perigosa, porque pode entalar na garganta da Xiquinha. A Xiquinha acha que vai passear, mas eu só fui colocar o lixo lá fora. Bruno, editor, acha palavrão uma coisa terrível e valoriza mais os refinados. André, psicanalista, acha que eu tenho que mandar todo mundo (ele usou aqui uma combinação deliciosa de três palavrões interligados pela locução adverbial de lugar "bem no meio do olho"). Achei legal.

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.