Tati Bernardi

Escritora e roteirista de cinema e televisão, autora de “Depois a Louca Sou Eu”.

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Tati Bernardi

Carta aberta para Gregório

Amigo, seu último texto estava ótimo. Fiquei muito feliz com os elogios à minha cidade. Eu ainda não comprei uma bicicleta pra gente dar umas bandas junto, mas também curto o Haddad.

Dito isso, o que eu quero mesmo é te dizer outra coisa. Entre as chatices de morar em São Paulo (e você entrará em contato com algumas quando sua paixão neófita cessar e a realidade voar na sua janela, intrusiva e cinza como uma pomba envenenada por uma valeta tóxica), namorar o clássico coxinha paulistano é a maior delas.

Você não sabe o que a gente sofre aqui. E nem pode imaginar (ou talvez possa) o quanto a gente é feliz quando descola um namoradinho carioca (ou de qualquer lugar, mas com alma de namoradinho carioca).

Tá, talvez soe grosseiro, num primeiro momento, namorar um cara que acha que "cinco quadras da sua casa" é te deixar na porta. Talvez, quando ainda não se está muito acostumada com esse fenômeno maravilhoso chamado carioca, dê um certo desespero o cara rachar conta de 14 reais na lanchonete. Sim, eles demoram sete anos pra assumir que "o lance é sério" (seja qual for o lance) e isso também não é muito legal.

Mas é só criar um pouco mais de intimidade e toda a magia faz sentido. O senso de humor do carioca é uma bênção. A taradice do carioca é Deus mandando um hashtag "disse que não te abandonaria" para as moças. A morenice do carioca é 3 meses de férias escolares na praia, numa única noite de frio em São Paulo. Ouvir um "goxxtosa" no ouvido equivale a cinco bilhões de "oi querida, te comprei um presente".

Hoje em dia eu tô preferindo pagar a conta do moço na pizzaria Guanabara a ser convidada a jantar, sem levar minha carteira, no Maní e aturar mais um daqueles papos sobre "então, meu, virei VP e ando super angustiado, sabe?"

O clássico carioca pé rapado é cem vezes mais charmoso e interessante que o clássico paulistano playboy. E oferece riquezas espirituais e carnais que um coxa jamais conseguirá alcançar. Dói amar um carioca mas, quando se atinge esse estágio magnânimo, uma coisa maravilhosa acontece: ostentar se torna brega. Ter status é quase não ter caráter. Dinheiro é tipo pochete. Andar a pé é vida.

Namorar carioca é o alívio cômico de toda uma vida amorosa tragicômica. Eu vivo ocupada, cheia de trabalho, de dor nas costas, de prazos estourados pra entregar textos. Tenho tempo pra ser uma perua? Não. Tenho saco pra ser uma mocinha urbana fashion gatinha 24 horas por dia? Menos ainda.

Pois os cariocas, esses salvadores, entendem e aplaudem meu estilo "penso mil vezes antes de colocar um salto alto e me besuntar inteira de maquiagem". Alguns até acham sexy minhas unhas com o esmalte pela metade.

Quando dá onze da noite e eu continuo digitando, meu namorado (que é carioca, óbvio: há dez anos eu só pesco e pago no Rio) inventa alguma letra de música com "sai desse computador, minha flor". E eu saio. Dane-se. Cariocas nos ensinam o dane-se e isso é apenas a arte mais valiosa da vida. Cariocas ainda usam violão pra pegar mulher, quer coisa mais bonita?

No Rio eu não preciso me montar como uma drag em dia de vingança pra ser feminina. Não preciso ter uma bolsa Prada pra estar feliz no meu trabalho. Não preciso ter calcinha La Perla porque, aff, ele arrancou com o dente e nem sabe o que é marca. Cara, São Paulo é uma cidade incrível, mas também pode ser bem ridícula. Ainda bem que, em muitos aspectos, ainda existe o Rio pra nos salvar.

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