Tati Bernardi

Escritora e roteirista de cinema e televisão, autora de “Depois a Louca Sou Eu”.

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Tati Bernardi

Você está ficando velha quando...

Passa a manhã feliz porque tinha aspargos na feira orgânica. Entra em loja de almofadas e mantinhas com a felicidade de jovem virgem em suruba. Parou de pesquisar "ureaplasma" no Google e passou a pesquisar "detergente inseticida natural plantas". Vê um homem descabelado, de jaqueta de couro, recém-chegado de sua desaparecida sabática em Berlim, falando preciosidades aleatórias como "o amor não é erótico" e pensa "ele está disposto a abrir mão de todo esse veneno e sensualidade pra formar uma família com no mínimo dois rebentos, neste momento? Não. Tô fora".

Só vai a uma festa se começar cedo, se for perto, se for de um amigo de quem você gosta muito, se for na casa dele e se tiver o plus magia: comida boa mais conforto para abandonar sua lombar condoída pela violência extrema que é socializar numa festa. Vê uma garota de vinte e poucos anos quase morrendo por amor e sente um misto de inveja com alívio. Alívio, porque você não quase morre por mais nada (agora só lhe resta um dia morrer de verdade. Quase morrer é para os jovens!), e inveja, porque, diferente de você, ela pode chorar tal qual uma vaca no cio e não virar o Mister Magoo. Jovem pode sofrer, comer pizza de chocolate com morango não orgânico e dormir tarde. A mim resta saber: corretivo para olhos é a alcunha íntima de caráter.

Alguém te chama pra jantar e você diz que adoraria, que até precisa, porque está entrando em hipoglicemia aguda, mas, infelizmente, está em pré-coma no sofá. E a pessoa do outro lado do telefone (que, graças a sua seletividade, tampouco é jovem), vai se sentir à vontade: "tô igualzinho!" E juntos, sem culpa, em silencioso e sagrado orgasmo espiritual, vocês desistem ao mesmo tempo de toda a humanidade e todas as possibilidades cósmicas do universo. Uma sensação libertadora.

Você deixa pra depois, sabendo que é nunca. E então, amanhã você será aventureiro e selvagem. Você terá internos de coxas firmes e ossos de bacia curiosos apontados para o infinito. Fará sacanagem com muita luxúria e não amorzinho funcional depois do banho. E sem prolapso da válvula mitral ou queda de pressão quando ficar por cima. Amanhã você conhecerá aquele lugar que esqueceu o nome (agora você esquece nomes de atores, de filmes, de pessoas que já passaram o Réveillon com você). Mas hoje banho quente e cama são, respectivamente, nome e sobrenome fantasia de Jesus de Nazaré.

Você maldiz meninas de braços finos e bochechas afogueadas: ainda serão tão feitas de trouxa. E torce pro universitário com tinta na cara te pedir dinheiro com certa tensão sexual e jamais te chamar de tia. Você substituiu os vouchers de descontos e flyers de balada por amostras grátis de ácidos para manchas na pele e receitas azuis de ansiolíticos. Trocou aquele grupo de amigos "indie empáfia", que fazia festinhas estranhas em que "do nada" todo mundo ia pro banheiro e voltava a fim de contar vantagem (e de que a noite nunca acabasse e de fazer algo desde que em movimento e a fim de você e de todo mundo), por amigas grávidas que sabem fazer tapioca fininha. Você precisa muito de colo mas tem medo de pedir e ficar devendo 78 favores porque, de repente, deixou de ser uma garota naturalmente merecedora de amor e passou a ser um bom contato. Você precisa muito desmoronar, mas, infelizmente, não se programou com antecedência e vai ter que engolir o desmaio. Você sai com um grupo de amigas e o maravilhoso assunto universal "pau" foi substituído por punção de mama, reserva ovariana, bota-fora D&D, marceneiro do momento e Icy Hot (o que poderia ser uma casa de swing, mas é o novo Dorflex em gel).

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