Tati Bernardi

Escritora e roteirista de cinema e televisão, autora de “Depois a Louca Sou Eu”.

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Tati Bernardi

Talvez

É nojento ver gente maldizendo nordestinos nas redes sociais, "mortos de fome que votam na Dilma!". Mas talvez essas pessoas sejam plantadas pela campanha petista, pra desmoralizar o eleitorado concorrente. Mas, com tanto coxinha preconceituoso no mundo, precisariam inventá-los? Então talvez dizer que são factoides seja uma estratégia da campanha do Aécio. E esse termo "coxinha" talvez seja puro preconceito de quem luta, justamente, contra o preconceito. Tá puxado opinar.

Talvez educação seja melhor do que comida. Mas talvez a pessoa com fome não consiga estudar. Talvez você esteja errado quando diz que pobre vota no PT. Itaquera, por exemplo, mandou coraçãozinho pro Aécio nas urnas. Talvez você esteja errado quando diz que rico prefere o Aécio. O filho do Lula certamente prefere a Dilma. Talvez não dê mais pra ter certeza de nada. Mas talvez não fazer de conta que a gente pelo menos desconfia que tem alguma certeza seja alienação.

Talvez a gente comece a babar (talvez isso seja uma piadinha idiota, porque tem gente que baba de verdade e temos que amá-los) porque o discurso mais ferrenho de mudança e honestidade agora vem da direita. E talvez a direita devesse, já que acredita em mudança e honestidade, começar combatendo a extrema direita, que acredita na volta do militarismo e no orgulho hétero e no direito de ser respeitado enquanto cidadão livre e rico quando xinga um chefe de Estado pro mundo inteiro ouvir.

Talvez liberdade, ser liberal, liberalismo e ser um libertário confundam os estudantes. Talvez eles apenas abracem o epíteto, acreditando tratar-se de liberar a maconha. Talvez 80% não saibam o que estão fazendo quando ficam putos e vão pra rua. Talvez inventar porcentagens, como fiz agora, me faça levar uma bronca. Talvez seja inveja, porque estou ficando velha. Talvez eu tenha algo de véio reaça conservador, ao estilo: "Humpf, esses jovens!".

E o lance de usar os Correios? Talvez tenha sido uma jogada meio suja, literalmente. Talvez seja apenas uma mídia possível e dentro da lei. Talvez seja mentira. Saiu que era mentira, né? Peraí. Eu juro que leio jornal todo dia, mas me perdi. Maria, minha empregada (talvez seja errado chamá-la assim), tá dizendo aqui que sua vida melhorou muito nos últimos dez anos. Mas talvez isso não importe, já que o Brasil parou de crescer.

Talvez o Eduardo Jorge seja mó da hora, supimpa, coisa fina. E tenha conquistado meu coração com sua mochilinha em meio a tanta esperteza e boa oratória ensaiada. Talvez eu devesse era ter me encantado pela moça que não faz nem chapinha nem aliança. Mas talvez seja uma besteira odiar os bancos. Eu e meu namoradinho do largo São Francisco, há 20 anos, odiávamos bancos e policiais. Talvez a gente fosse bobo. Talvez bobo, um xingamento infantil que combina com as discussões políticas do Facebook (que talvez sejam infinitamente melhores do que "veja meu filho babado de papinha" ou "olha, um ipê furta-cor"), seja quem diz que o salário mínimo é muito alto.

Talvez seja intolerável votar em quem tem apoio de fundamentalistas. Talvez seja insuportável votar em um partido que não admite erros e que, diferente do que pregou em meu inconsciente ingênuo e sonhador, desde que eu era criança, não está isento do que as pessoas com preguiça de argumentar resumem em "palhaçada". Talvez apenas seja impossível estar isento da merda, sentado no trono.

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