Tati Bernardi

Escritora e roteirista de cinema e televisão, autora de “Depois a Louca Sou Eu”.

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Tati Bernardi

Dicas para arrumar um homem?

No último domingo, zapeando besteiras na televisão, parei, em estado de choque, para assistir a um programa adolescente do Discovery Home & Health que ensinava uma garota inteligente e charmosa a se calar e usar mais rosa para arrumar um namorado. A menina chegou toda autêntica e engraçada (ela não queria estar ali, foi arrastada pelas amigas) e a transformaram numa Barbie versão esposinha submissa. Entrou gatinha, de jeans, óculos e cara lavada e saiu "dia de princesa na Disney" com madeixas rococós, sombra lilás e gloss –para deleite das colegas peruas, que vibravam: "Agora ela desencalha!"

A coach ensinava coisas como: faça cara de "socorro" ao abrir o cardápio do restaurante e peça para ele escolher seu prato, mostrando que você é uma debiloide que precisa do auxílio másculo e experiente do seu acompanhante até para as tarefas mais simples: "Ele vai se sentir especial". Que homem, por Deus, se sente importante em perder seu tempo com um ser humano que não consegue sequer se alimentar com determinação? Olhei na data do meu celular, pra ter certeza que estávamos mesmo em 2015. O programa repetia as mesmas frases de um livro que estou lendo, para escrever o roteiro de um seriado, sobre casamentos arranjados no século 18.

O primeiro pretendente era um autêntico playboy bombado camisa justa com brasão. O casal estava cercado por câmeras e a coach a observava em uma espécie de cabine secreta: "É isso aí garota, mexeu no cabelo em vez de falar". E a gênia dos relacionamentos seguia dando seus maravilhosos inputs da castração vaginal: sorria em vez de discordar, pareça o mais leve e otimista possível, enrubesça em vez de competir, baixe o olhar pra mostrar doçura, deixe que ele defina os assuntos e, na hora que chegar a conta, olhe apenas para a decoração do ambiente e AJA COMO UMA MULHER.

Agir como uma mulher é se comportar como uma samambaia que teme parecer o Maguila se ousar ter uma opinião? Agir como uma mulher é ter que ir montada numa roupa fechada a vácuo, em cima de um salto que faria Joseph Pilates desistir do planeta Terra e fazer de conta que nunca esteve tão plena e confortável? E, pior, ser mulher é brilhar na falta de educação a ponto de nem sequer se oferecer para rachar uma conta? Então tô preferindo anotar E.T. na hora de preencher uma ficha de hotel.

E tudo para conseguir um homem! Há tantas coisas para conquistar nessa vida, sério que ainda existe mulher que coloca "fisgar um marido" como única meta primordial da existência? E que espécie de primata é essa que, entre tantas moçoilas interessantes, divertidas, que curtem o trabalho e a sua sexualidade, vai preferir uma ameba solícita, sonsa inexpressiva, grande conhecedora de seu queijo branco preferido e pronta a bater palminhas para seus gases? Sério que enquanto algumas mulheres ganham o Nobel alguns homens ainda preferem as que compram papel higiênico Noblesse para suas bundinhas?

Já ouvi pérolas como "tem sempre que estar com as unhas bem feitas e de preferência com esmalte clarinho", "vai ser difícil você casar escrevendo essas coisas" e "poxa, não vai dar, você já transou com um cara que eu conheço" (meu amor, eu já devo ter transado com uns 20 caras que você conhece, afinal, não passei os últimos 30 anos fazendo um curso de noiva pra te esperar). Sim, o machismo ainda bate todo dia em nossas portas, a sorte é que estamos ocupadas demais para abrir. Muito melhor do que arranjar um "homem a qualquer custo" é conseguir todo o resto e, com sorte e bom gosto, encontrar um cara legal, que aceite fazer parte da sua vida em vez de ser o centro dela.

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