Tati Bernardi

Escritora e roteirista de cinema e televisão, autora de “Depois a Louca Sou Eu”.

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Tati Bernardi

A dull boy

Na manhã do último dia 9 de dezembro, percebi que estava cometendo a décima versão medíocre de um roteiro cujo tema é o mesmo de outros roteiros que escrevi em outros anos que têm como sinopse a mesmíssima história de uma peça de teatro que concebi inspirada em um livro de minha autoria. Entendi então que eu estava ficando igual ao Jack Nicholson, no espetacular filme "O Iluminado", datilografando "All work and no play makes Jack a dull boy" pela milésima vez.

Férias, pensei. Antes que eu dê uma machadada na porta do quarto! Quando foi a última vez que eu realmente tirei férias? Fim de semana na praia não vale: eu sempre levo o computador e tento adiantar a vida. Uma semana em Lisboa não contou, fui a trabalho. Teve aquela vez em Londres, pra esquecer um pé na bunda... Acabei pegando um freela para uma revista de turismo. A semaninha no Rio... Aproveitei pra encontrar amigos e falar de novos projetos. Sim, os cinco dias que eu fiquei com amigdalite, de cama! Eu tentava escrever, mas era tanta dor de cabeça que me dava ânsia. Ficar doente é o mais perto que eu chego de "curtir um feriado".

Não estou aqui me gabando ("ui como eu sou workaholic"), estou dizendo que tenho uma dificuldade bem tadinha de me divertir e relaxar. Me agarro aos prazos de entregas como se fossem um motivo muito nobre para chegar sã ao dia seguinte. Ter um produtor bombando meu celular ("cadê essa porra?") ou um advogado enlouquecido no meu e-mail ("se não entregar até amanhã tem multa") é como ter mãezinhas fofas espalhadas pelo mundo dizendo "sopa de batata, vem, só duas colheradas, contamos com você, não sucumba antes de ganhar o brinquedo!".

Dez dias de férias. O que eu faria com eles? No primeiro dia baixei um aplicativo de meditação chamado Headspace e me deletei do Facebook. Agora sim! Achei o Headspace tão legal que quis fazer todas as meditações seguidas ao invés de aguardar pra fazer uma por dia, como é aconselhado. Quis fazer logo 125 horas de meditação "pra resolver logo esse negócio" e poder fazer outra coisa. Ou seja: não tava funcionando. Quis contar do Headspace no Facebook, ou seja, voltei pro Facebook. Não tava funcionando.

Pra não me perder de tantas coisas incríveis que eu pensava em fazer nos dez dias de férias, fiz listas. A lista de todos os livros que eu queria ler. A lista de todos os exercícios funcionais que vi no YouTube para a minha bunda e internos de coxa. A lista dos amigos que eu precisava visitar e realmente olhar no fundo dos olhos e prestar muita atenção no que eles têm a dizer ao invés de já chegar me esvaziando descaradamente sobre eles. A lista das coisas que eu precisava arrumar na minha casa. A pequena lista das lojas que vendem a pecinha quebrada da minha torneira. A lista de todas as milhares de mudanças que eu queria fazer no meu livro (quando eu "voltasse a trabalhar"), mesmo o editor avisando que já estava indo pra impressão.

Conclui que pirar nessas listas, dentro de casa, não era exatamente tirar férias, então fiquei uma tarde inteira vendo pousadas na internet. Pousadas no meio do mato para fugir das praias lotadas. Pousadas na praia porque eu precisava de mar, e meio do mato sempre me dá muita vontade de trabalhar. Fiquei estressada com a possibilidade de uma viagem e com os preços e com o final do ano. Deitei no sofá com a cara enterrada numa almofada. Arfante, pescoço doendo. Pelo amor de Deus, como é que se descansa? Tive então a ideia de escrever esse texto. Feliz 2016!

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