Tati Bernardi

Escritora e roteirista de cinema e televisão, autora de “Depois a Louca Sou Eu”.

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Tati Bernardi

Não sei explicar o que acontece com o meu coração quando vejo um brinde

Crédito: Bruno Poletti/Folhapress Sao Paulo, SP, Brasil 28/11/2014 - Inauguracao da sexta loja da marca Forever 21 no shopping Eldorado,os primeiros 500 consumidores que estiverem na fila receberão um brinde especial. Fila de entrada na loja. (Foto: Bruno Poletti/Folhapress, FSP-MERCADO )***EXCLUSIVO FOLHA***
Na inauguração de loja no shopping Eldorado, os primeiros 500 da fila receberam um brinde

No último domingo, fui convidada a falar para centenas de pessoas em um evento. Mandaram um motorista me buscar e, assim que cheguei ao local, jovens sorridentes cuidaram com esmero da minha fome, maquiagem e cabelo. Dei entrevistas para sites e revistas. Fiz pose ao lado de mulheres influentes e chiques. Alguns leitores me pediram fotos e abraços.

Tinha tudo pra ser uma grande tarde, não fosse um pequeno e gratuito detalhe. Assim que o identifiquei em meio à multidão, começou o meu martírio. O que é? Por que todas têm e eu não? O que eu fiz de errado pra não merecê-lo? E se acabar? E se eu nunca mais me perdoar por ter perdido essa chance?

Era uma sacolinha transparente, com caixas coloridas dentro. Perfumes? Maquiagens? Absorventes? Brinquedos? Comidinhas? Não sei explicar o que acontece com o meu coração quando vejo um brinde, só sei que começo a persegui-lo com a fúria selvagem dos hipoglicêmicos há dias sem lanchinho. Minha vida começa a depender seriamente da obtenção daquele mimo e não há nada que a razão possa fazer.

Não adianta me falarem "vem comigo que te dou uma joia, um carro, um avião". Minhas pupilas e papilas só se dilatam e se aguçam de verdade quando tem papel colorido barato, saquinho mequetrefe e uma das palavras mais bonitas da língua portuguesa: amostra.

Eu tentava me concentrar nos preparativos da apresentação, mas já tinha perdido as rédeas da mente. Cadê o brinde? Cadê o brinde? E o brinde descia escada, subia escada, ia embora, entrava no banheiro, sorria, encontrava amigos. Uma sacolinha esbarrava em outra. Algumas garotas (vacas!) tinham DUAS sacolinhas. E eu nenhuma.

Eu dava entrevistas com um olho na câmera e outro no brinde, que, como todo bom brinde, se distanciava cada vez mais de mim. O mistério foi ficando tão insuportável que pensei em berrar: "Eu não subo nesse palco enquanto vocês não me falarem que cazzo tem dentro dessa sacolinha!"

Um garoto insistia em saber minha opinião sobre o lugar da fala e se o homem pode ser feminista. Foi quando tive a ideia do pacto. Combinei que eu daria a manchete polêmica se ele me cantasse a boa do brinde. O atalho da prenda. A senha da oferta. O caminho do gozo. Brinde, brinde, brinde. Você vira ali à direita e pega aquela fila, tá vendo?

Eu era a quinta da fila e meu coração já estava na boca quando uma garota da produção veio me chamar: "Vai começar, Tati". Eu fiz que não era comigo e continuei na fila. Ela foi mais enfática: "Precisamos ir agora". Eu resolvi ser sincera. Olhos lacrimejantes, me humilhei, apelei: antes eu preciso do brinde, entende? Ela achou que era piada, balançou a cabeça como se dissesse "não vou cair nessa"e foi avisando no radinho: "Achei, estamos a caminho". Mas eu não me movi.

Ela prometeu que ao final da apresentação me levaria o brinde ou mandaria pra minha casa. Eu não confiei e continuei na fila. Chegaram reforços. Mas eu agora estava em terceiro lugar e não arredaria o pé dali.

"Tragam ela agora", eu ouvi gritarem do radinho. Ao ver tanto desespero, a senhora à frente me cedeu seu lugar. Ganhei meu brinde. Era uma sacolinha azul com uma pasta de dente. Não! Não! Eu quero a sacolinha transparente com caixas coloridas. Essa tinha acabado. E o que tinha lá dentro? Hein? O quê? Pelo amor de Deus?

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