É advogado e ex-professor de direito civil da PUC-SP. Assinou a coluna Letras Jurídicas, em "Cotidiano", por quase 30 anos, tratando com cuidado técnico, mas em linguagem acessível, de assuntos de interesse para a área do direito.
Angústia de nossa era
O leitor não integrado às profissões jurídicas tem motivo para dúvida quando vá definir o que seja a Justiça humana e o que espera dela. O profissional do direito esbarra com razões ainda mais severas na análise do problema e dos caminhos para seu aperfeiçoamento.
A justiça oficial --de mulheres, homens e governos-- é do interesse de cada brasileiro, em cada momento de sua existência, mas gera insegurança quando se chega à pergunta inafastável: afinal há efetivamente uma justiça humana?
Dois exemplos recentes em nosso país (dois, entre muitos) forçam a reiteração da pergunta.
O primeiro nos leva ao homicídio que vitimou uma criança, no colo de sua mãe boliviana. O ladrão que a assaltou considerou pouco o dinheiro de que ela dispunha. Matou o menino a tiro. A justiça humana tem punição adequada para o homicida e o delito horrendo?
O mesmo questionamento surgiu quando quatro moços, na faixa dos 20 anos, encontraram menina de 14 anos, que voltava para sua casa na trilha de uma área desabitada. Agarram-na e a estupraram seguidamente. Para impedir que ela os denunciasse, mataram-na. Enterraram o corpo. Acabaram descobertos. Confessaram.
O que fazer com os autores desses atos? De novo: o sistema da justiça humana está habilitado para fazer justiça? Para localizar os delinquentes, processá-los? Daqui a quantos meses ou anos a sentença será exequível?
A primeira resposta é óbvia: as decisões judiciais devem ser proferidas em tempo breve. O juiz e o administrador estão obrigados pela Constituição a preservar a duração razoável do processo. Razoável não se ajusta aos enormes prazos de muitos feitos judiciais. Se a máquina pública impedir o ajustamento, os juízes hão de se revoltar contra ela.
Nestes tempos de transformação dos costumes, cresce a preocupação com o papel do Judiciário e com a aplicação eficiente do direito penal. Transportada a questão do nível humano para a dignidade dos procedimentos das nações desde as mais poderosas às mais pobres também há dúvida sobre a justiça entre elas. Como pedir solução rápida entre as nações, se não conseguimos dá-la para nossos cidadãos?
Pergunta frequente: pode a sociedade continuar convivendo com delinquentes cada vez mais ousados e cruéis? Nenhuma solução, porém, pode ser aceita se fugir à apuração cuidadosa de cada conduta individual ou de cada participante de ação coletiva. Por outro lado, sabe-se das deficiências do aparelho punitivo, desde dúvidas sobre a lisura das investigações. Mais, ainda, com prisões que estimulam o crime em vez de o combater, desde apurações com meios insuficientes, na lentidão até chegar à sentença final, condenatória ou absolutória.
Repetindo: não há justiça, qualquer que seja o resultado, se a demora deste for excessiva.
A Constituição passou a considerar defeito incompatível com os direitos fundamentais a quebra da celeridade na tramitação do processo. Para atacar essa angústia de nossa era, além da exigência do prazo breve, falta o tratamento para delitos cuja extrema gravidade não os enquadra nas definições da lei penal de hoje, com clareza tal que, além da interpretação atualizada, permita o afastamento da insegurança nos meandros da triste problemática punitiva de hoje.
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