Xico Sá

Jornalista e escritor, com humor e prosa. É autor de "Modos de Macho & Modinhas de Fêmea" e "Chabadabadá - Aventuras e Desventuras do Macho Perdido e da Fêmea que se Acha", entre outros livros. Na Folha, foi repórter especial. Também mantinha um blog no site da Folha.

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Abaixo a normalidade

DE SÃO PAULO

Amigo torcedor, amigo secador, diante de atos racistas como o de alguns gremistas, na noite desta quinta-feira, aparece sempre uma corrente com o seguinte argumento: isso é coisa de futebol, isso é xingamento normal de estádio, acontece.

Há até quem diga que o mundo esteja mais chato por causa disso. Se é por essa causa, prefiro o tédio às incorreções da crônica de costumes. Há até quem ponha tudo no mesmo pacote, na mesma baciada do politicamente correto.

Discordo. O futebol não pode, como querem muitos, estar acima do bem, do mal e das leis. Racismo é racismo em qualquer canto. Com ou sem a bola rolando. Contra o Aranha ou contra a menina negra M.D.M.R, mineira de Muriaé, atacada no Facebook depois de postar uma foto com o seu namorado branco.

Racismo é racismo. Ponto. Se era"normal" chamar de macaco no passado, que dane-se o passado, é hora de desmascarar a cara de pau da normalidade. Como disse o goleiro do Santos, naquele momento o racismo estava mostrando mais uma vez a sua face, a sua cara. Que seja punido.

É fácil ser branco e entender como normal ou mero xingamento. Normal uma ova. Atacar o outro pela cor da pele é, além de crime, uma covardia inominável. Não tá legal e eu não aceito o argumento.

Nas palavras do Aranha: e como dói. O mais maluco é que o juizão do jogo quase pune o Aranha. Interpretou que ele estava provocando o grupo de torcedores do Grêmio. Batia no braço para mostrar que tinha orgulho de ser negro.

Somente com a repercussão da tragédia humana, pôs um adendo, um post scriptum, um velho P.S., na súmula da partida em que o Peixe bateu o tricolor gaúcho por 2 x 0. Os árbitros costumam jogar nesse time da maldita herança escravocrata futebol clube.

Aranha confessou que já havia suportado diversas vezes esse tipo de ofensa. Ao insistir, ainda durante a peleja, na denúncia, quebrou a corrente da normalidade. Normal, uma ova.

Muito orgulho do goleiro do melhor time das Américas do século 20. Um goleiro que cita, em nota à imprensa, Martin Luther King e o sonho da igualdade. Muito orgulho, como bradou ontem o brother Peu Araújo. O santista Mano Brown, idem, que o diga.

Por jogar no time da normalidade futebol clube é que mantemos sinais de Casa Grande & Senzala nos números da violência, por exemplo. Por achar normal é que a polícia aperta mais o gatilho contra os pretos e pobres.

Normal, um cacete. Quem tiver sua normalidade que a deixe em casa, é preciso se espantar com as coisas malditas.

É preciso escrever pequenos libelos e "sueltos", como na velha imprensa abolicionista. É preciso todo dia enxergar a anormalidade. No atacado e no varejo.

E viva a Lindona do Bahêa, que chegou para fazer companhia ao Super Homem, como novíssima mascote preta do tricolor soteropolitano. Panamérica de Áfricas utópicas, meu caro José Agripino de Paula, mais novo possível quilombo de Zumbi.

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