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05/12/2012 - 06h32

Conheça a culinária paulista com um roteiro em homenagem a Adoniran Barbosa

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LUIZA FECAROTTA
DE SÃO PAULO

Nesta semana, a edição do "Comida" passeia por um único tema: a cozinha de São Paulo. O que se come no interior ou no litoral do Estado, o que se consome na metrópole? O que resiste dos tempos de antigamente, o que é caipira e o que é caiçara?

Na busca pelos sabores genuinamente paulistas, o que se alcança é uma cozinha disforme, em que os primórdios se perdem na influência escancarada de outros países -Itália, Japão.

Mas parte da culinária pré-migratória resiste. É uma cozinha simples, que nasceu e se desenvolveu apoiada em milho, porco, galinha, feijão.

Uma comida que remonta à história dos tropeiros e dos bandeirantes, cujas andanças borraram a fronteira entre os fogões de São Paulo e de Minas Gerais. São receituários que conversam. A cozinha paulista foi levada a Minas pelos bandeirantes-e lá foi mais bem conservada.

Da cozinha caiçara, praticada pelas tribos que viviam à beira-mar, quase não se vê rastros -nem nas mesas nem nas bibliografias. Até no litoral o que se vê sobre as mesas de restaurantes é risoto, paella.

A tradição praiana de secar os peixes no varal e servir com banana verde, a taioba [hortaliça semelhante à couve] e os peixes na brasa envoltos em folha de bananeira são costumes que, aos poucos, se perdem.

Para continuar o passeio por São Paulo, tomamos emprestada a trajetória do sambista Adoniran Barbosa (1910-1982), que, nas palavras do escritor Antonio Candido, exprimiu a cidade de modo "completo e perfeito".

O compositor de "Trem das Onze" é, segundo seu biógrafo Celso de Campos Jr., a síntese da cultura de São Paulo: era filho de italianos, nasceu no interior e interpretou um negro (no rádio e na TV).

Foi nele que a reportagem se inspirou para tentar reconstruir parte do caminho errático e miscigenado que a culinária paulista percorreu -a influência italiana, o torresmo, a feijoada.

Editoria de Arte/Folhapress

A SÃO PAULO DE ADONIRAN
De certa forma, a São Paulo de Adoniran Barbosa (1910-1982) estará resguardada para sempre -ao menos no imaginário. O sambista cantou a cidade à exaustão.

Se nas músicas ela está eternizada, o que restou -e ainda pulsa-dos locais que Adoniran frequentava?

A partir de entrevistas com o biógrafo do sambista, amigos, parceiros e donos de bares e restaurantes, a Folha montou um roteiro de 12 lugares entre os mais frequentados por ele. Destes, resistem sete, que mantêm receitas como as de antigamente.

"Vamos fazer cem anos em 2014 e o nosso cardápio é o mesmo", diz José Luiz de Freitas, 60, da terceira geração da família dona do Filé do Moraes -hoje Rei do Filet.

Era ali que Adoniran comia o clássico filé alto, de miolo suculento, coberto por finas fatias de alho e óleo. Geralmente na alta madrugada, às vezes, com o sol a raiar.

À MESA
Nas andanças da reportagem -concentradas no centro e no Bexiga-, uma coisa fica óbvia: o cantor ia a alguns locais que hoje são reminiscências da cidade -como o próprio Filé do Moraes, o Bar do Alemão e a padaria São Domingos.
Eram bares e restaurantes que acolhiam a boemia daquela época: os mais diversos artistas, os locutores de rádio, os diretores de cinema.

Os pratos que Adoniran admirava, em alguns desses endereços, permaneceram intactos com os anos. Hoje, eles expressam parte do que é reconhecido como a "cozinha paulista".

São massas italianas, influência da forte imigração desse povo no século 19, por exemplo. "No meu restaurante [cantina Conchetta, do Bexiga, de 1978], ele sempre comia o espaguete ao sugo. Falava com aquela voz rouca, 'al dente!'", diz Walter Taverna, 78, dono de quatro restaurantes e presidente do Centro da Memória do Bexiga.

E as frituras, também herdadas da Itália e transformadas em prática típica da cozinha interiorana. Isso, sem se esquecer do torresminho, do bife à milanesa...

A feijoada ele traçava na madrugada, na saída da rádio, no Papai, restaurante que foi implodido na primeira reformulação da praça da Sé.

CALÇADA
Enedino José de Souza, 71, o Souza, é o garçom mais antigo do Gato que Ri (desde 1972), cantina dos anos 50 que resiste até hoje no largo do Arouche. Ele lembra com clareza de Adoniran.

"Ele pedia um uísque, pegava uma cadeira, colocava lá fora e ficava cantando com a caixinha de fósforo."

O sambista, que morou naquelas vizinhanças por mais de dez anos, tinha o costume de levar o nhoque ao sugo do restaurante para casa para comer com a mulher, Matilde.

BOTECOS
Adoniran dividia seu tempo entre as gravações humorísticas no rádio, no circo, um personagem do cinema ou de uma novela na televisão.

Ele mergulhou na boemia de São Paulo, na praça da Sé de antigamente, que atraía gente à beça -era como um "parque de reuniões, com muitos botequins", nas palavras do próprio cantor.

Vivia a perambular na eterna companhia de uma porção de pastel e uma cachacinha com limão, numa mesa aqui, outra acolá.

Vez ou outra parava no clássico Bar do Alemão, que resiste ao tempo e ainda serve seu filé à parmigiana. Era ali o ponto de encontro de músicos como Nelson Cavaquinho e Paulinho da Viola nos anos 70. Permanece igualzinho, ao gosto de seu atual proprietário, o músico Eduardo Gudin, que também foi habitué dali naqueles tempos.

Ele relembra: "Adorinan falava: 'Hoje vamos beber que eu pago.' Ele pedia uísque importado para ele e nacional pra gente, e dizia: 'Eu tô pagando, eu escolho a marca'".

Antes de ganhar fama como cantor, coisa que custou à beça - "sua voz é boa para acompanhar defunto", dizia um locutor importante-, vendeu tecido nas bandas da 25 de Março, foi entregador de marmitas -das quais filava um tanto de bolinho e pastéis no caminho- e ajudou madames a carregar compras na feira do largo do Arouche.

Pois, depois de muita insistência, o sambista que nasceu João Rubinato e morreu, há 30 anos, Adoniran Barbosa, fez sambas clássicos. Até com comida. Eis "Torresmo à Milanesa", receita que nem existe!

 

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