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Família comemora ter salvo 2 cadelas e 14 gatos de incêndio no Rio
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CRISTINA GRILLO
DO RIO
O incêndio aconteceu 12 andares acima, mas na portaria do prédio antigo na rua Barata Ribeiro, uma via de trânsito pesado em Copacabana, já se sente o cheiro de queimado.
Lá em cima, na cobertura dúplex onde moram o marchand Jean Boghici, 84, sua mulher, Geneviève, e a filha Sabine, 38, peritos de seguradoras tentam descobrir o que causou o fogo que, na segunda-feira passada, destruiu obras simbólicas do modernismo brasileiro, como a tela "Samba", de Di Cavalcanti, e matou dois dos 16 gatos que a família criava. Tentam, também, estimar o prejuízo.
Por causa da perícia, o acesso ao apartamento é restrito aos proprietários e aos técnicos, mas pela porta entreaberta é possível ver um pouco do estrago. A sala está coberta de fuligem negra, assim como as telas que ainda estão penduradas na parede e os móveis. Por enquanto, nada pode sair de onde está.
Para circular pelo local e acompanhar os trabalhos, o casal usa máscaras cirúrgicas. "A garganta e os olhos ardem; a cabeça dói quando saímos", diz Geneviève.
No andar de cima do apartamento, não atingido pelas chamas, quase 20 gravuras de Debret manchadas pela água usada pelos bombeiros secam sobre duas mesas.
"Elas estão salvas. Quando não estiverem mais úmidas, começa o trabalho de restauração", diz Geneviève.
Sobre o sofá, um móbile de Calder também foi posto para secar. Mas é no salão de festas do prédio ao lado, onde têm outra cobertura, que está salvo o que os Boghici dizem ser seu grande tesouro: 14 gatos e duas cadelas.
Os dois prédios são colados, padrão arquitetônico comum no Rio dos anos 40 e 50. Uma porta no terraço dá passagem para a outra cobertura, menor. Foi por ela que Sabine salvou os animais.
Veja fotos dos bichinhos salvos do incêndio
"Os bombeiros diziam que eu tinha de sair, mas não obedeci. Buscava os gatos, levava ao apartamento ao lado e voltava para buscar mais."
Quando não conseguiu mais descer ao primeiro andar, contou dez bichanos -as duas cadelas, a collie Maya e a rottweiler Lady estavam na rua com Boghici quando o incêndio começou. Ainda faltavam seis. Quatro apareceram no dia seguinte -"não sei onde eles se esconderam, mas conseguiram se salvar", conta Sabine.
Dois não escaparam. Pretinha, que deitava sobre o peito de Boghici todas as noites para dormir, morreu no quarto do casal; Meu Amor, 12, no quarto de Sabine.
Como o entra e sai de pessoas entre as coberturas estressava os animais, eles foram levados para o salão de festas do segundo prédio.
É lá que Sabine e os pais dormem, em colchonetes e sofás improvisados como camas, para que os animais não fiquem sozinhos. Durante o dia, Boghici e Geneviève acompanham os trabalhos no apartamento incendiado e à noite se reúnem à Sabine, que cuida dos animais.
"Ainda não tive coragem ir ao apartamento. Não sei se um dia vou conseguir entrar nos quartos onde Meu Amor e Pretinha morreram", diz Sabine, que é vegetariana e atua como protetora de animais, recolhendo aqueles maltratados ou abandonados e lhes arrumando novos donos.
A família Boghici também perdeu roupas, documentos, fotos. As gravações para um CD que Sabine, cantora e atriz, pretendia lançar, se foram. Ela perdeu a coleção de mais de 70 Barbies dos anos 80, ainda na caixa, e um forte-apache Casablanca, marca famosa nos anos 60, com cerca de 200 peças.
Na sexta pela manhã Sabine teve que sair para comprar algo para vestir.
CARMA
A filha do casal Boghici tomava banho quando o incêndio começou, por volta das 19h30. "Quando saí do banheiro, vi toda aquela fumaça no meu quarto. Não sabia o que fazer. Não tem uma cartilha que ensine. Estava tudo escuro e eu não sabia se podia acender as luzes."
Mística, ela diz que talvez o fogo seja o carma de seu pai. Em 1978, entre as centenas de obras destruídas no grande incêndio do Museu de Arte Moderna do Rio, estavam algumas telas do uruguaio Joaquín Torres-Garcia emprestadas por ele para uma retrospectiva.
Há alguns meses, ela conta, sugeriu ao pai que se mudassem para uma casa.
"Disse para ele que se acontecesse um incêndio, ia ser difícil salvar todos os animais. Ele não quis. Agora acho que topa."
Mas, diz Sabine, como tudo na vida tem seu lado bom, esse é um momento de limpeza, de recomeço. "Perdi muita coisa, mas quem precisa de roupas de grife, de bolsas Chanel? É hora de dar valor ao que realmente vale."
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