ONU quer até novela para campanha contra exploração sexual infantil na Copa
A Copa não deve dar lugar à exploração sexual de crianças brasileiras. E, para evitar os abusos, devem ser escalados famílias, escolas, governos, agências de viagem e até as telenovelas. Esse é um dos recados da portuguesa Marta Santos Pais, representante especial sobre violência contra as crianças na ONU.
No Brasil em dezembro, para participar do Fórum Internacional de Direitos Humanos, Pais falou à Folha sobre a preocupação com as altas taxas de homicídios entre jovens brasileiros e sobre as propostas para a redução da maioridade penal –política que rejeita. "Não estamos a prevenir o crime, estamos a disfarçar e apaziguar medos que existem no público."
Folha - A redução da maioridade penal pode ser uma solução contra a violência?
Marta Santos Pais - De maneira nenhuma. Primeiro porque o Brasil é parte na Convenção sobre os Direitos da Criança –aliás, foi um ator decisivo na redação da convenção. E a convenção não admite nenhuma regressão na proteção dos direitos da criança. Reduzir a idade da responsabilidade criminal significaria retroceder no sistema de proteção dos direitos da criança que o Brasil já se comprometeu a garantir. A nível internacional, seria uma violação certamente não vista com bons olhos.
Em segundo lugar, porque temos visto que a redução da idade de responsabilidade criminal não ajuda a encontrar a solução. Pretende-se reduzir o nível de criminalidade, mas acaba-se incitando os grupos que instrumentalizam os jovens a procurar os jovens ainda mais jovens, que estão abaixo da linha da responsabilidade criminal, para cometer os delitos que esses grupos continuam interessados em ver organizados. Não estamos a prevenir o crime, estamos a disfarçar e apaziguar medos que existem muitas vezes no público.
Países nórdicos têm, no máximo, oito jovens privados de liberdade. E perguntamos "não há criminalidade"? Seguramente que há, mas a sociedade e o governo têm contribuído, através de políticas públicas, para dar prioridade à educação e ao investimento na primeira infância.
E o que revela a experiência de países que optaram pela redução da maioridade penal?
Encontramos, primeiro, estigmatização do jovem e o criar do medo na sociedade sobre quem é jovem, identificado como perigoso. Em segundo lugar, temos visto que isso coincide, na maior parte dos casos, no enfraquecer das instituições democráticas, com fraquíssimo direito de acesso à Justiça e a um direito justo. E, em alguns países, vemos fortes indícios de corrupção, da polícia que prefere encontrar o culpado rápido para apaziguar o mal estar criado na sociedade.
A idade da responsabilidade criminal tem que ser semelhante à idade para outros fins de natureza social. Não queremos que as crianças casem antes dos 18 anos, que o jovem conduza um automóvel antes dos 18 anos, assuma responsabilidade comercial antes de determinada idade.
Mas achamos que é normal que o jovem seja penalizado muito anteriormente, porque tem de pagar um preço, sentir o mal que fez. Ninguém quer retirar a necessidade de responsabilizar o jovem que fez alguma coisa menos correta. O que dizemos é que a responsabilização pode ser feita de muitas formas e uma delas é pela Justiça restaurativa, em que o jovem pode ajudar a vítima a se recuperar, reconhecer o mal que fez.
Como a sra. vê a situação da violência urbana no país?
Obviamente, há situações de violência extrema que nos preocupam muito e gostaríamos que o 25º aniversário da Convenção sobre os Direitos da Criança [em 2014] e da Constituição Federal do Brasil [em 2013] pudesse marcar uma virada decisiva. Que é na alta taxa de homicídios de jovens. Sobretudo de jovens do sexo masculino, que têm sido vítimas de altíssimas taxas de homicídio em situações de profunda violência, mas que muitas vezes coincidem com as camadas da população mais vulneráveis, excluídas, pobres e com menos acesso a oportunidades. É uma preocupação muito grande que temos, seria muito bonito que a alegria da Copa e, provavelmente, da vitória do Brasil, pudesse coincidir com essa bandeira, que vai ficar para muitas gerações. Não é só uma Copa.
O Brasil poderia ter avançado mais nesse ponto?
O Brasil avançou. A maior parte dos países não tem dados muito precisos sobre as taxas de homicídio, e o governo brasileiro, em associação com a sociedade civil, teve a preocupação de tentar entender, não só a magnitude do problema, mas onde a incidência é maior, quem é mais afetado e quais são as razões profundas que levam a essa situação. O índex de homicídios publicado pelo Brasil tem que ser saudado como um início de solução. Se poderia ter feito melhor? Provavelmente, mas o importante é que, agora que se fez o diagnóstico e se entende o por quê, que a realidade seja decisivamente mudada.
Um tema que deve ganhar relevância, em 2014, com a Copa, é a exploração sexual de meninas. Como a sra. avalia a posição do Brasil no tema?
Existem grandes riscos de as meninas serem seduzidas, manipuladas através de dinheiro ou promessas risonhas. Ou da pura sedução, da conquista da jovem que acredita genuinamente que há alguém que lhe quer bem. Ter crianças na rua, fora da escola e desocupadas quando o país vai ser visitado por milhões de pessoas –entre as quais pessoas bem intencionadas e pessoas que podem se aproveitar da situação para outros fins– é um risco. E há muitas coisas que podem ser feitas nesse sentido. A escola obviamente tem um papel muito importante.
[Também têm] as novelas, para caricaturar essas situações e transmitir mensagens às famílias. E outros parceiros, no setor privado. Por exemplo, agências de viagem, redes hoteleiras, agências de transporte aéreo ou terrestre dos países vizinhos.
É fundamental que nós possamos transmitir informações à qualquer pessoa que entre no Brasil: que, quando ela marque uma passagem, receba imediatamente uma mensagem que diz "no Brasil é crime", "menino é de ouro", "criança é importante", "menina não é um brinquedo", "o jogo é da alegria, não é da exploração". Temos que transmitir a mensagem, para que toda a gente sinta que no Brasil vai haver vigilância social de toda a gente, além da vigilância do governo.
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