Ex-funcionários preservam prédio da Santa Casa fechada há 10 anos no AM
"Está ouvindo? Tem alguém tomando banho", diz o senhor de 65 anos que percorre os corredores escuros e abandonados da Santa Casa de Misericórdia de Manaus. "Deve ser um mendigo ou usuário de droga. Quase todo dia eles entram aqui."
Francisco Garcia, 65, e Neli Mendonça dos Santos, 74, foram dois dos 402 funcionários que há quase dez anos testemunharam a queda da instituição, fundada em 1880 e fechada em 2004. Atolada em dificuldades financeiras, tem dívida estimada hoje em cerca de R$ 10 milhões.
Mais antiga que o vizinho Teatro Amazonas, a Santa Casa de Manaus é um retrato da crise que acomete hospitais filantrópicos do país e que culminou com a suspensão do atendimento na Santa Casa de São Paulo, na terça (22).
Desde o fechamento, o que restou do imponente prédio histórico da Santa Casa depende dos serviços voluntários de seu Chicão e dona Neli. Até hoje, eles "batem ponto" todas as manhãs, mas não ganham nada para isso.
Ele ajuda a preservar o que restou do lugar, espanta invasores, lacra janelas e portas. Ela recebe as pessoas que ainda procuram o local, geralmente ex-funcionários em busca de informações ou documentos e pessoas que nasceram no hospital e precisam de cópia do registro.
"Aqui era um ambulatório. Vivia cheio, as pessoas chegavam de todos os municípios do Amazonas e vinham a pé, do porto", conta seu Chicão, que ingressou na Santa Casa em 1971 como prestador de serviços gerais.
Ambos fazem a última filantropia de um edifício histórico entregue à própria sorte. O cenário é apocalíptico.
Há muita sujeira, fezes e até animais mortos, forros destruídos e materiais sucateados no interior do prédio. Invasores depredam o que encontram e usufruem da água, o único bem que restou –a luz foi cortada em 2009.
Equipamentos estão amontoados e destruídos, camas de ferro, enferrujadas, e há salas com milhares de documentos e registros esquecidos.
Em frente ao prédio, quatro homens que cobram R$ 3 para estacionar e oferecem lavagem dos carros ajudam os dois ex-funcionários com o almoço. É tudo o que eles recebem pelo serviço.
"A gente vem porque gosta, por paixão. No começo, quando fechou, outros ex-funcionários também vinham nos ajudar. Só sobramos Chicão e eu", diz Neli, que começou em serviços gerais em 1977 e acabou telefonista.
Assim como outros ex-funcionários, eles aguardam na Justiça para receber os vencimentos. E sonham com dias melhores para a Santa Casa, tombada pelo patrimônio histórico, mas sem perspectiva de voltar a atender a população.
"Eu tenho esperança, mas é difícil. Gastaram tanto dinheiro no futebol, na arena [R$ 669,5 milhões]. Com um pouquinho desse dinheiro daria para reerguer o hospital", lamenta seu Chicão.
Enquanto não surge uma solução para o prédio, os dois pretendem continuar prestando seus serviços à memória do local.
"Ficamos até o dia que Deus quiser. Ou quando Ele reabrir o hospital, e então poderemos dar a vaga a outros. Não somos ex-funcionários, somos funcionários. Nunca abandonamos o barco", diz Neli.
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