Estado de SP cobra pelo uso da água em só 26% de seu território
Contrariando lei promulgada pelo próprio Estado há 23 anos, o governo de São Paulo só cobra pela água retirada diretamente de rios e poços paulistas em 26% de seu território.
Essa gratuidade favorece grandes consumidores, como a indústria e a agricultura. No último caso, produtores de feijão, soja e milho utilizam regularmente água retirada dos rios.
Indústria e irrigação agrícola são responsáveis por 37% e 22%, respectivamente, de toda a água utilizada no Estado, segundo a Agência Nacional de Águas.
A situação contraria lei promulgada pelo próprio Estado em 1991, que instituiu a obrigatoriedade da cobrança, e dificulta o controle sobre as retiradas das bacias.
A cobrança é prevista também por leis federais, sendo excetuadas só pequenas quantias para subsistência, consideradas insignificantes. Não se trata de cobrar por serviços de abastecimento, o que companhias como a Sabesp já fazem, e sim de uma cobrança pela própria água, retirada diretamente.
Das 21 bacias hidrográficas paulistas, apenas seis cobram pelo uso da água.
Nas demais, é preciso seguir todo um trâmite até a aprovação, que inclui a iniciativa da própria bacia e a aprovação da proposta de cobrança pelo governo de SP.
Estados como o Rio de Janeiro e o Ceará já implementaram a medida em todo o território. No Rio, com área 83% menor que a de SP, esse tipo de arrecadação atingiu R$ 24 milhões ao longo de 2013, 60% do que foi arrecadado em São Paulo (R$ 40 milhões).
O valor arrecadado é revertido em obras na própria bacia, como ocorre nas bacias federais, nas quais a cobrança já ocorre desde 2006.
Procurada, a Secretaria Estadual de Saneamento e Recursos Hídricos afirmou que "todo usuário de água superficial ou subterrânea que consome parte do volume captado e lança efluentes deve pagar pelo uso da água".
AGRICULTURA
Nas bacias paulistas onde há cobrança, ela ainda não se estende à agricultura.
Falta regulamentação estadual para o setor, que depende do Conselho de Recursos Hídricos, órgão da Secretaria de Saneamento e Recursos Hídricos.
Malu Ribeiro, coordenadora da SOS Mata Atlântica, afirma que, entre os usuários das bacias, o desperdício de água é maior na agricultura, que perde cerca de 70% dos volume retirado para irrigação, devido à evaporação e à contaminação por agrotóxicos, por exemplo.
"Nos dados oficiais, parece que a agricultura usa muito menos água do que realmente usa, porque são calculados com base em quem está regularizado", diz.
Muitos produtores retiram água sem ter outorga, que é a regularização necessária. Pelas números da ANA, a agricultura outorgada consome cerca de 78,5 mil litros por segundo, ante a 132 mil l/s da indústria –volumes equivalentes à produção de 4 e 6,5 sistemas Cantareira, respectivamente.
Atualmente, há mecanismos de controle que medem o volume de água dos rios, mas não há equipamentos para registrar quanto cada agricultor retira diretamente. O Estado apenas fiscaliza pontos específicos quando são feitas denúncias.
Vicente Andreu, presidente da ANA, contesta a visão do terceiro setor sobre a irrigação agrícola. "Não concordo que a agricultura é a grande vilã. 85% da população do Brasil é urbana. Não é razoável cortar a água da irrigação e as pessoas continuarem lavando a calçada nas cidades".
Glauco de Freitas, representante da ONG WWF-Brasil, afirma que o governo deveria não só cobrar pelo uso, como também incentivar o uso de métodos de irrigação que economizam água e são mais baratos, como o microgotejamento (método que distribui a água pelo terreno em mangueiras rentes ao chão, diferente do pivô central que é utilizado normalmente).
Freitas também destaca que São Paulo detém 17,7% da área de agricultura irrigada do Brasil, uma proporção alta para um território com cerca de 3% da área do país.
À Folha, a Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de SP defendeu que "os valores sejam compatíveis com a lucratividade das atividades rurais e estimulem de fato a racionalização do uso".
Já a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado) posicionou-se favorável à cobrança pelo uso de água, mas ressaltou a necessidade de uma regra clara no pagamento, eliminado qualquer imprevisibilidade dos valores a serem cobrados.
Livraria da Folha
- Box de DVD reúne dupla de clássicos de Andrei Tarkóvski
- Como atingir alta performance por meio da autorresponsabilidade
- 'Fluxos em Cadeia' analisa funcionamento e cotidiano do sistema penitenciário
- Livro analisa comunicações políticas entre Portugal, Brasil e Angola
- Livro traz mais de cem receitas de saladas que promovem saciedade
Acompanhe toda a cobertura dos blocos, festas e desfiles do Carnaval 2018, desde os preparativos
Tire as dúvidas sobre formas de contaminação, principais sintomas e o processo de imunização
Folha usa ferramenta on-line para acompanhar 118 promessas feitas por Doria em campanha