País executou último homem livre em 1861 após morte de marido da amante
Pedro Ladeira/Folhapress | ||
Igreja de Nossa Senhora do Rosário, em Luziânia (GO), onde está enterrado José de Souza |
Pela primeira vez em mais de 150 anos, brasileiros foram mortos por terem sido condenados à pena capital.
A execução de Marco Archer, em janeiro, e a de Rodrigo Gularte, na última terça-feira (28), ambas na Indonésia, foram as primeiras de brasileiros no exterior.
Já no Brasil, a última execução de um homem livre condenado à morte pela Justiça Civil aconteceu em 1861, na província de Santa Luzia, que deu origem à cidade de Luziânia, no entorno do Distrito Federal.
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O lavrador José Pereira de Souza, 40, foi condenado pela morte de um barão da região. Seis anos antes, Souza conhecera Maria Nicácia, mulher da vítima, com quem planejou o assassinato do homem traído para que pudessem viver juntos. Descobertos, foram sentenciados à morte.
A única saída para quem recebia tal sentença, à época, era apelar à graça imperial. Os dois condenados recorreram ao imperador, D. Pedro 2º, para que a pena fosse convertida em prisão perpétua, mas apenas o pedido de Maria Nicácia foi aceito.
RITUAL
Com isso, Souza foi enforcado em um dia e mês desconhecidos, em um patíbulo construído ao lado de um pé de manga especialmente para o evento e destruído depois.
No dia de sua morte, Souza percorreu a pequena vila a pé até chegar à igreja de Nossa Senhora do Rosário.
A população toda acompanhou os procedimentos, inclusive as crianças.
Dentro da igreja, o lavrador cavou a própria cova. Em seguida, foi levado ao patíbulo, onde se confessou, recebeu a comunhão e foi empurrado.
Seu corpo foi enterrado no túmulo de número nove, bem em frente à porta da pequena igreja construída por e para os escravos.
Como os registros oficiais sobre a condenação e a execução se perderam com o tempo, não se sabe exatamente por que Souza foi enterrado ali, uma vez que era um homem livre.
Por isso também não se sabe exatamente o dia e nem o mês de sua morte.
A tese mais aceita é que o seu sepultamento na igreja de escravos seria mais uma forma de castigo.
De paredes grossas e decoração simples, a igreja inaugurada em 1763 abriga 87
túmulos. Apenas dois são identificados: o do lavrador e o de uma senhora da aristocracia. Os demais seriam corpos de escravos que morreram no século 19.
REGISTROS
Segundo historiadores da região, os documentos sobre a condenação e a execução de José Pereira de Souza foram queimados por ordem de um delegado que queria limpar os arquivos da cadeia.
A história do lavrador foi recuperada pelo professor e historiador Gelmires Reis e pelo jornalista Jarbas Silva Marques, no início do século 20, a partir de relatos e alguns documentos que Reis conseguiu encontrar na época.
Para o jornalista Carlos Marchi, que pesquisou a história da pena de morte no Brasil, os registros históricos sobre esse tipo de processo acabaram se perdendo por motivos que vão além da falta de conservação.
A primeira razão é que as próprias famílias dos condenados costumavam se desfazer de seus vestígios para não ter de conviver com o estigma de ter um familiar executado por um crime.
O segundo é que as autoridades muitas vezes queimavam os arquivos para evitar uma revisão do processo criminal, mesmo que o condenado já estivesse morto.
Não existe no país um registro de quantas e quais pessoas foram condenadas à pena de morte e executadas.
O caso de José Pereira de Souza é considerado o último de um homem livre, mas há relatos de escravos e ex-escravos que foram executados pelo Estado até o início do século passado.
A pena de morte foi abolida no Brasil com a proclamação da República, em 1889. Desde então, ela vigorou como exceção em alguns momentos da história do país, como na ditadura militar, e atualmente é prevista apenas em situações de guerra.
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