Pianos em estações do metrô de São Paulo atraem músicos de ocasião
José Benedito Paes, 70, está a caminho de uma missa de sétimo dia. Sérgio Cominio, 19, volta da terapia. Wellington Gonçalves, 29, nem precisaria estar lá. Dayane Lemes, 19, só está esperando o movimento diminuir para poder ir para casa.
São 18h40 quando o mais velho deles chega caminhando em meio à multidão que se dirige à plataforma da estação Santa Cecília do metrô.
O corpo levemente arqueado, uma pasta na mão direita, colarinho aberto sob o paletó. "Alguém mais vai tocar?" Aproxima-se, senta-se, olha fixamente para lugar nenhum.
Agora, suas mãos marcadas correm pelas teclas de um piano Fritz Dobbert não exatamente afinado. "Ouve só a [tecla] sol", explica. Ao seu lado, cabeças mais jovens balançam positivamente em sinal de concordância.
Auditor contábil, ele está a caminho da missa de sétimo dia da mulher de um de seus colegas -auditor como ele. Ataque fulminante do coração. Como ele, 70 anos.
Isadora Brant/Folhapress | ||
José Benedito, 70, toca piano na estação Santa Cecília |
"Vou embora daqui mais leve", diz já suado após quase 40 minutos tocando sem parar temas como "La Vie en Rose" (imortalizada por Edith Piaf), e "Ave Maria", de Gounod, no que pode ser chamado de "pianoterapia".
"Deixo minhas mãos livres e elas descarregam minha tensão", diz o auditor que aprendeu a tocar no interior de São Paulo há mais de 50 anos, quando era seminarista.
É a sua segunda sessão do dia. A primeira foi antes das 8h, a caminho do trabalho. A rotina se repete sempre que dá. "Já me chamaram para tocar na Santa Casa, para os pacientes, mas não tenho como assumir esse compromisso."
Ele é um dos "pianistas anônimos" do metrô. Além da estação Santa Cecília, frequentada diariamente por José Benedito, Tatuapé, Sacomã e Largo Treze também têm seus pianos.
Itinerantes, cada um passa em média dois meses no local antes de ir para outra estação.
A afinação é feita mensalmente, garante o Metrô. Atualmente, o de Santa Cecília -apesar de não estar perfeito- é o mais afinado, dizem os músicos de ocasião.
FRUSTRAÇÃO
Esse é o problema que leva Sérgio a passar uma vez por semana por essa estação. Filho de um baterista, tudo o que ele não quer é ser apenas um músico de ocasião.
Assim como seu pai, sonha em viver das baquetas. O caminho, que parecia certo, se complicou quando ficou sabendo que, mesmo aprovado na Emesp (Escola Estadual de Música), não poderia cursar devido a cortes no orçamento da instituição, afirma.
Em vez da escola de música, passou a frequentar uma psicóloga. "Principalmente por essa frustração relacionada à [escola de] música", diz.
Isadora Brant/Folhapress | ||
Sérgio Cominio, 19, para na estação Santa Cecília na volta da terapia |
Ali, Sérgio fez amigos, toca com eles. Wellington é um deles. Técnico em informática, passa seus dias se locomovendo pela cidade. No final do expediente, poderia ir direto para a estação Barra Funda pegar a condução para Itapevi, na Grande São Paulo. No entanto, prefere parar por ali.
"Cada dia estou em lugares diferentes. Chego aqui cansado e saio voando", diz ele, que tentou viver de aulas de piano, mas, frustrado, voltou para o teclado do computador.
Estudantes, curiosos, pianistas de fim de semana, de tudo um pouco passa por aquele piano. Wellington faz parte de um dos grupos mais assíduos, o dos evangélicos.
Enquanto conversa com a Folha, novos evangélicos vão chegando. Em pouco tempo, forma-se um trio. Cantam hinos -no entanto, grupos vocais não são permitidos pelo programa do Metrô.
Já passa das 19h30 e, alheia ao movimento, Dayane está encostada em um canto da estação. Atendente de telemarketing, passa o dia ouvindo ouvindo outro tipo de som, "geralmente reclamação". "Se vou tocar? Ah, não. Estou aqui só esperando o movimento diminuir", diz, olhando para a plataforma lotada.
Lá embaixo, José Benedito segue seu caminho. Está atrasado para a missa.
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