Família atingida por 'tsunami de lama' passa Natal em casa alugada
Orides da Paixão de Souza, 83, agricultora, trabalhou até os 60 anos. Perdeu seu marido aos 35, teve que criar seus 12 filhos sozinha e ainda adotou mais três.
O resultado disso são mais de 50 netos e 60 bisnetos –ninguém da família sabe dizer qual é o numero exato de descendentes de Orides.
Neste ano, nem todos os parentes compareceram à ceia de Natal.
A família Souza, que vivia em dez casas no vilarejo de Bento Rodrigues, em Mariana (MG), está espalhada desde o dia 5 de novembro, quando uma barragem da mineradora Samarco, que tem como sócias a Vale e a anglo-australiana BHP Billiton, se rompeu.
No acidente, cerca de 40 bilhões de litros de lama vazaram, gerando um 'tsunami' que destruiu o vilarejo, matou peixes, invadiu o litoral e deixou um saldo de ao menos 17 mortos –há ainda dois desaparecidos.
CEIA EM PÉ
O assunto não podia ser outro na "ceia" da família Souza, improvisada em uma casa alugada pela Samarco. A árvore, o cachorro, memórias de Bento Rodrigues –nada escapou do encontro.
Não havia cadeiras para todos na nova casa.
De pé, embaladas por cerveja, a família dançou a música sertaneja que saía de um pequeno rádio pendurado no telhado por um arame.
"Não temos do que reclamar, estamos vivos" afirmou Sandra Maria de Souza, 48, filha de dona Orides. Nenhum integrante da família morreu na tragédia.
"Eu vi a lama chegando e pensei que todos estavam mortos", diz Sandra. "É um alívio poder ver todos vivos".
Um celular, passado de mão em mão entre os membros da família, mostrava um vídeo, gravado após a tragédia, com uma borboleta cujas asas tinham um desenho que lembrava Nossa Senhora de Aparecida.
A família, conformada com a situação, tentava se adaptar à vida no centro de Mariana, que concentra a maioria dos 58 mil moradores da cidade. "De antes pra agora? Diferença demais. Tranquilidade, só quem vivia ali [em Bento Rodrigues] sabe", dizia uma das filhas de Orides.
NADA A COMEMORAR
Segundo a mineradora Samarco, 908 pessoas foram realocadas após a tragédia, a maioria delas em imóveis mobiliados pela empresa ou em casas de parentes.
Marly de Fátima Felipe, 32, mora atualmente no centro de Mariana, no alto de um prédio de dois andares. Faz menos de um mês que enterrou a mãe, morta na tragédia.
Enquanto abana sua filha de 3 anos, reclama do calor e da falta de espaço. "Antes eu tinha áreas para estender roupa na frente e atrás de casa, hoje só tem isso aqui."
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