MARCELO TOLEDO
ENVIADO ESPECIAL A BARRETOS (SP)

Um médico circula de moto de um lado para outro para resolver problemas do rodeio. Em outro local, uma empresária paulistana padroniza uniformes dos peões. Já um enfermeiro cuida de inscrições de provas com cavalos.

Nos bastidores da Festa do Peão de Boiadeiro de Barretos (a 423 km de São Paulo), é possível encontrar profissionais das mais variadas qualificações atuando em setores que nada têm a ver com suas atividades profissionais. E sem receber um centavo para isso.

O médico Wilson Chubassi de Aveiro, 33, por exemplo, trabalha no departamento de cirurgia do tórax do Hospital de Câncer de Barretos, referência no tratamento da doença e onde fez residência em cirurgia oncológica.

Mas não está lá durante 15 dias de agosto, quando tira férias para atuar na coordenação dos serviços do estádio de rodeios, projetado por Oscar Niemeyer e que abriga o evento desde a década de 80.

Tem sido assim nos três últimos anos, desde que retornou para a cidade após 11 anos de estudos em Campinas. "Sempre vinha, gosto de rodeio demais. Sempre quis participar de alguma forma", afirmou ele à Folha, em meio aos preparativos para o início das montarias na noite da última sexta (18).

Na Festa do Peão, ninguém o chama de doutor. Trajando bota, calça jeans, camiseta preta e boné, vive circulando de moto nos dois milhões de metros quadrados do Parque do Peão para atender chamados que chegam via rádio.

Influenciado por ele, o também médico Felipe Daldegan Diniz, 31, pela primeira vez está na festa, ajudando no planejamento das ações no estádio e nas provas do rodeio. Mineiro de Divinópolis, é profissional do Hospital de Câncer há cinco anos, atuando em vídeocirurgias.

Assim como o amigo, não recebe nada para atuar no rodeio. Recebe sim, ele corrige: "O pagamento é a satisfação de estar aqui. Estou no coração da festa [do rodeio]."

Já a empresária Yara Alves Andreatta, 60, trocou o berçário do qual é proprietária na capital para trabalhar no escritório de rodeio da festa, rotina que tem há 15 anos.

"Sou barretense, só não vim nas duas primeiras festas [esta é a 62ª edição]. É estressante, nos tira da zona de conforto, trabalho 16 horas por dia, mas fiz muitos amigos e parece que, quando estou aqui, vivo num planeta diferente. Muda até o metabolismo."

Ela começou voluntariamente marcando notas das provas e passou progressivamente a acumular funções, como padronizar roupas de peões que estarão na arena, dar assistência nas assinaturas de contratos e até cuidar de água, café e frutas para os frequentadores do escritório.

"Amigos já me questionaram por trabalhar sem receber. Mas é como uma bactéria que incuba e fica para sempre. É apaixonante."

Paixão que, no caso do enfermeiro Sebastião Ricardo Ferreira Carrion, 38, de Colina, vizinha a Barretos, começou quando fez colégio agrícola e estagiou no setor de veterinária do Parque do Peão.

Há 20 anos trabalha na festa. Começou como voluntário, mas hoje é contratado para inscrever competidores nas provas cronometradas antes do início da festa.

O trabalho só acaba três dias após as disputas e inclui assessorias em outras funções, o que faz com que tire férias o mês todo do Hospital de Câncer, onde atua no departamento de hematologia.

"Adoro e faço defesa total dos rodeios. Muitos criticam sem saber. O custo de um animal é muito alto, tem cavalos de R$ 300 mil, R$ 500 mil. Acha que um dono maltrataria um animal desse valor?"

A 62ª edição da festa do Peão de Barretos teve início na quinta (17) e vai até o dia 27. O evento gera 3.500 empregos diretos e 10 mil indiretos entre julho e setembro, segundo Hussein Gemha Júnior, presidente de Os Independentes, que organiza o evento.

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