TJ decide não levar a júri nutricionista que atropelou e matou Vitor Gurman
O Tribunal de Justiça (TJ) decidiu nesta quinta-feira (21) que a nutricionista Gabriella Guerrero –denunciada por atropelar e matar o administrador Vitor Gurman, 24, em julho de 2011, na Vila Madalena (zona oeste de São Paulo) quando conduzia um Land Rover– não vai a júri popular.
Com isso, o crime antes considerado doloso (com intenção) passa a ser culposo (sem intenção). Cabe recurso ao STJ (Superior Tribunal de Justiça).
A decisão revoltou a família e os amigos da vítima. Já a defesa da nutricionista a considerou um sinal de Justiça.
Por 2 votos a 1, os desembargadores acolheram recurso apresentado pelos advogados dela no qual pediam a anulação da decisão da Justiça em primeira instância, que aconteceu no ano passado.
Segundo a denúncia, a nutricionista havia ingerido bebida alcoólica e dirigia acima da velocidade.
De acordo com o Ministério Público Estadual, ela assumiu o risco de matar, o que no meio judicial é chamado de dolo eventual. No homicídio doloso, as penas podem variar de 12 a 30 anos de prisão.
No culposo, geralmente a pena é revertida em serviços à comunidade.
No mês passado, o relator desembargador Miguel Marques e Silva, da 14ª Câmara de Direito Criminal, já havia dado seu voto pela manutenção da sentença inicial de pronúncia (quando o acusado é mandado a júri).
Os desembargadores Fernando Torres Garcia e Hermann Herschander, que haviam pedido vista, não seguiram o relator nesta quinta (21).
Em seu voto, Garcia, afirmou que não há indícios suficientes para comprovar que ela agiu dolosamente.
Segundo ele, para que se admita a figura dolosa nos crimes de trânsito, "culposos em regra", exige-se que haja elementos concretos que indiquem que o motorista assumiu o risco de produzir o resultado "com absoluta indiferença à objetividade jurídica".
"De qualquer forma e como já exaustivamente mencionado, não há indícios, mínimos que sejam, a indicar que a recorrente, deliberadamente, embriagou-se e assumiu o risco de produzir o resultado que lamentavelmente ocasionou a morte do jovem Vitor Gurman", escreveu Garcia.
O júri popular (composto por sete pessoas da sociedade civil) é usado para julgar casos de homicídios intencionais.
"A decisão do Tribunal de Justiça reconhecendo que Gabriella Guerrero deveria responder por delito de homicídio culposo restabelece a verdade dos fatos. Durante todo o processo ficou demonstrado de maneira clara que ela jamais agiu com dolo, ou seja, que pretendia causar a morte da vítima", disse José Luis Oliveira Lima, advogado da acusada.
Nilton Gurman, tio da vítima, disse à Folha que a família recebeu indignada a decisão, mas que vai recorrer.
"Estamos indignados e inconformados, mas vamos continuar lutando. Um absurdo que alguém que bebe, dirige e mata alguém fique impune. Se a Justiça não funciona, vamos acreditar na Justiça divina", afirmou Nilton, que criou o grupo Viva Vitão, o qual luta pelo combate à violência no trânsito e mudanças nas leis para motoristas que matam ao volante.
Para ele, a vítima nunca se vê defendida. "São inúmeros casos iguais, não estamos falando só do Vitor. Se acreditam que beber e andar em alta velocidade não causam esses resultados, a impunidade vai continuar. Até que se quebre esse paradigma, será assim. É dolorido saber que a Justiça não tutela o cidadão de bem, a vítima", afirmou Nilton.
O dolo, segundo o Ministério Público, ocorreu porque a jovem dirigia com velocidade acima do permitido no local do acidente –o limite na rua Natingui era de 30 km/h e o veículo estaria entre 62 km/h e 92 km/h, segundo um dos laudos, e ela havia ingerido bebida alcoólica.
Em entrevista à Folha à época, Gabriella disse que havia bebido apenas uma margarita e que perdeu o controle do veículo. Ela afirmou que isso aconteceu quando tentou segurar o namorado à época e dono do carro, que estava embriagado e sem cinto no banco do passageiro. Laudo particular apresentado pela família indicava que a velocidade do veículo era de 38 km/h a 44 km/h.
Sobre o uso de bebida alcoólica, a defesa sustenta que os laudos comprovaram que a nutricionista não estava embriagada e que ela nunca se recusou a fazer exames, como diz a família da vítima. "O que aconteceu foi uma tragédia para duas famílias", disse Lima.
Já o advogado da família Gurman e assistente da Promotoria na acusação, Alexandre Venturini, defende que há indícios suficientes para a acusação por dolo eventual. Segundo o advogado, a nutricionista estaria, sim, alcoolizada, conforme mostrou exame no IML (Instituto Médico Legal), embora os índices não apontassem para embriaguez.
Aos desembargadores, Venturini sustentou que ela "admitiu que ingeriu bebida alcoólica e acabou ceifando uma vida". "Entendo e respeito a dor que a própria autora deve sentir até hoje. Mas não há como comparar com a dor da família, que é insuportável", afirmou.
INDENIZAÇÃO
A nutricionista e o namorado dela foram condenados a pagar indenização de aproximadamente R$ 1,3 milhão à família Gurman.
Os familiares entraram com a ação argumentando que a vítima ajudava no orçamento familiar e usava sua renda para sustentar a avó. Tanto o juiz de primeira instância como o TJ julgaram a ação procedente. Um imóvel do ex-namorado da nutricionista chegou a ser penhorado.
Na época do crime, familiares e amigos de Gurman passaram a organizar manifestações exigindo rigor na punição a quem mata ao volante. O grupo segue com a campanha "#não foi acidente".
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