Sem Exército, interior do RN vive medo com paralisação de polícias

Crédito: Bruno Santos/Folhapress Leandro Trajano, 25, teve a moto roubada por homens armados, em Monte Alegre (a 40 km de Natal)
Leandro Trajano, 25, teve a moto roubada por homens armados, em Monte Alegre (a 40 km de Natal)

THIAGO AMÂNCIO
BRUNO SANTOS
ENVIADOS ESPECIAIS AO INTERIOR DO RN

Eram 23h10 do último sábado (30), e Valdeir de Araújo, 43, já se preparava para fechar a pizzaria Mineira, que comanda há três anos em Monte Alegre, município de 22 mil habitantes a 40 km de Natal.

Foi quando entraram cinco homens com uma pistola calibre 32 e quatro armas caseiras de calibre 12. Atiraram no teto e para fora. Tomaram de Valdeir cerca de R$ 2.000, além de celulares e carteiras dos 11 fregueses. "Liguei para a PM, mas até hoje estou esperando aparecerem aqui. Nem o boletim de ocorrência consegui fazer", conta Valdeir, quatro dias após o crime.

Longe dos olhos dos turistas, dos cartões postais e sem patrulhamento do Exército, cujas tropas foram enviadas somente a Natal e Mossoró, o interior do Rio Grande do Norte sofre com a falta de policiamento nas ruas com três salários atrasados, parte dos policiais militares está aquartelada há 16 dias, e delegacias estão fechadas.

"No dia seguinte, nenhum cliente veio. Hoje fecho uma hora mais cedo. Entendo que a polícia esteja parada, ninguém trabalha sem salário, mas foi o pior Ano-Novo que passei na minha vida."

Quatro dias antes, foi a vez de Leandro Trajano, 25. Sentado na porta de casa, viu dois rapazes saírem de uma caminhonete roubada, armados, e anunciarem o assalto. Levaram sua moto nova, que ele pagou apenas uma parcela de R$ 500. Ainda restam 15.

Ele trabalha como mecânico e ainda não sabe o que vai fazer. "Tô andando a pé nesse sol", diz, num momento em que o termômetro marcava 32º C no agreste potiguar. A filha de dois anos ainda chora quando vê uma caminhonete. Ele precisou ir três vezes a Natal para conseguir registrar a ocorrência.

A recente onda de violência alterou a rotina da pequena cidade. "Num calor desses, à noite, as pessoas só ficam dentro de casa", conta. O barbeiro Ivan Martins, 35, confirma: "Meu horário de fechar aqui é 18h. Mas vejo os vizinhos fechando 17h, 17h30. Vou ficar não, fecho também. Veja só, meu filho de cinco anos, quando chamamos para buscar algo na rua, ele responde: 'Vou não, que as coisas estão difíceis'. Vê se pode".

Nos distritos do município, a situação é mais grave. Sentado à porta de casa, toda gradeada no pequeno vilarejo de Fontes, o pastor José Evangelista Dias, 65, conta que, no sábado, foi deixar um pessoal em casa, "deu cinco minutos e ouvi só os tiros".

"Roubaram todos. Um rapaz desacelerou o carro para passar numa lombada, estava voltando para Natal, e os bandidos, que já estavam esperando, levaram tudo", diz ele, que mora ali há dois anos.

"Domingo, na ponte [que dá acesso ao distrito], três homens encapuzados paravam todo carro que passava e roubavam. A polícia não vem aqui não. À noite, agora, é da igreja pra casa. Tenho filho, neto, não vou me arriscar."

Crédito: Nuno Guimarães/FramePhoto/Folhapress Policiais civis se algemam em protesto em frente à Delegacia Geral da Policia, em Natal
Policiais civis se algemam em protesto em frente à Delegacia Geral da Policia, em Natal

ARMA

Poucos quilômetros separam Fontes do distrito de Timbaúba, onde José Luiz da Silva, 21, trabalha num pequeno comércio de seu cunhado.

Há uma semana, viu uma arma apontada para a sua cabeça, antes das 8h, quando acabara de abrir o mercado. Levaram cerca de R$ 100 e um celular. "Aqui não era perigoso não, mas ultimamente O medo é fazerem alguma besteira." O mercado, agora, não passa das 18h30 aberto.

Em Nísia Floresta, onde uma pessoa foi morta durante a paralisação, Erivaldo de Azevedo, 55, também fecha sua loja de materiais de construção pelo menos uma hora mais cedo. Ele concorda com a paralisação dos policiais, mas pondera: "O cara na rua assim, sem dinheiro, desmotivado, é um perigo", afirma.

É nesta cidade em que fica o presídio de Alcaçuz, onde 26 pessoas morreram no ano passado em uma rebelião. A taxa de mortes no Estado está entre as mais altas do país. Foram 56 casos a cada 100 mil habitantes em 2016, quase o dobro da média nacional, de 30 casos, atrás apenas de Sergipe.

SEMPRE GRAVE

A situação do interior é grave com ou sem PM nas ruas. Em Brejinho, a população não vê diferença agora. "Teve uns assaltinhos de moto aqui, mas besteira", diz o caixa de mercado Bruno Lucas, 28. "Tem polícia no interior não. Há uns meses estava muito pior. Uma caminhonete parou na porta de uma casa, três meses atrás, e levou tudo: celular, carteira, televisão, bode, cabra. Tudo o que coube na carroceria."

A PM reconhece que falta agentes no interior, embora não divulgue números. A corporação tem cerca de 8.000 homens no RN, mas, por lei, deveria ter 13.466. Segundo a PM, novo edital deve ser lançado em breve para contratar 1.000 novos agentes.

"E vocês vão voltar de noite para Natal? Volte não, durma aqui em Santo Antônio", alerta um comerciante à reportagem. "À noite o pessoal fica de butuca nas estradas, aí sem polícia, já viu."

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