ANGELA PINHO
DE SÃO PAULO

"Peguei a botinha!", grita Gilmar Paiva Silva, 55, no meio da mata em Mairiporã, na Grande São Paulo. Os colegas se juntam para olhar o tubo pendurado em seu pescoço. Ali está ela, a botinha: um amontoado de escamas que forma algo parecido com uma caneleira em uma das patas do mosquito Sabethes.

Aquele não é um bicho qualquer. A bióloga Juliana Telles de Deus, 40, explica: "todos desse grupo são suspeitos até segunda ordem". Não é por menos. Junto com o Haemagogus, o Sabethes é um dos insetos transmissores de febre amarela, doença que já infectou 81 pessoas desde o ano passado no Estado de São Paulo, deixando um total de 36 mortos.

Pesquisadora científica da Superintendência de Controle de Endemias, a Sucen, vinculada à Secretaria Estadual da Saúde, ela coordena o trabalho das equipes que vão a campo para descobrir quais são os mosquitos que estão transmitindo a doença na Grande São Paulo.

Febre Amarela

Em épocas passadas, o grupo da Sucen já trabalhou com dengue, chikungunya e outros vírus. Desde agosto do ano passado, porém, a prioridade máxima é a febre amarela.

Para tentar entender a sucessão de casos que atinge o Estado de forma inédita, após décadas com poucos registros, eles entram diariamente em matas fechadas com um arsenal que inclui itens como facão, nitrogênio líquido, gelo seco e o próprio suor.

SUSPEITO E LUGAR

Na última quarta-feira (17), o local de trabalho era uma mata na cidade de Mairiporã, a 37 km da capital paulista, perto da casa de um homem infectado pela febre amarela.

A identificação de um caso é o ponto de partida da equipe de campo da Sucen. A superintendência tem que ser avisada imediatamente sempre que há suspeita ou confirmação da doença.

A partir de dados clínicos e do histórico do paciente, são definidos os locais a serem visitados pela equipe em busca dos mosquitos transmissores.

Se o doente passou por áreas urbanas, elas serão vasculhadas para verificar se há presença de mosquitos que podem espalhar o vírus –como, em tese, o Aedes aegypti. Uma vez encontrados, eles serão enviados para análise do Instituto Adolfo Lutz para verificar se estão infectados.

Independentemente da resposta, o achado pode desencadear ações emergenciais. "Se for encontrada uma grande quantidade de vetores [mosquitos] em área urbana, podemos passar inseticida no local", diz Marcos Boulos, coordenador de doenças da Secretaria Estadual da Saúde.

Essa etapa também é crucial para saber se, eventualmente, ocorre a circulação da febre amarela urbana –o Aedes aegypti é o principal vetor desse tipo de transmissão, erradicada do Brasil em 1942.

Até agora, nenhum aedes foi encontrado com o vírus, o que ajuda a comprovar que os casos atuais são da variedade silvestre da doença, ou seja, de vírus que circulam só em áreas rurais e de mata.

Por isso, é para o mato que a equipe da Sucen tem que ir para descobrir quais espécies de mosquito estão transmitindo a doença em São Paulo. No caso que deu origem à investigação na última quarta, o local de trabalho foi escolhido por estar a 200 metros da casa do paciente. A hipótese é que o mosquito que picou a vítima tenha voado dali.

COBRA E FACÃO

Antes de entrar na mata, os cinco integrantes da equipe vestem perneiras, espécie de caneleiras que protegem contra picada de cobra. "Nunca vimos nenhuma aqui", ressalta a bióloga Juliana. "Mas sabemos que tem." Uma pequena e precária trilha já havia sido aberta com um facão por um outro funcionário.

Na primeira parada do caminho, o grupo se senta para começar a tarefa: esperar os mosquitos. Eles logo chegam, atraídos pelo dióxido de carbono da respiração e pelo ácido lático do suor.

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Para capturá-los, é utilizado o puçá, instrumento parecido com uma rede de caçar borboleta. Com o mosquito lá dentro, os funcionários usam um aparelho de sucção, que, por um sistema de pressão interna, leva os insetos para dentro de um tubo pendurado no pescoço de cada um.

Ali, uma rede permite que os bichos sobrevivam –é importante mantê-los vivos o máximo possível para conseguir detectar o vírus depois. Nem sempre isso acontece, porém, conta Juliana, pois muitos dos mosquitos que podem transmitir a febre amarela não carregam a doença.

Para aumentar as chances de acharem um infectado, é preciso coletar dezenas de insetos por dia, repetindo a sequência de processos das 9h até quase as 16h, horário em que o Sabethes e o Haemagogus começam a subir de volta para a copa das árvores.

É a hora então de Juliana, Gilmar e os colegas Marlon Pires, Rogério de Oliveira e Vanessa Helfstein também deixarem a mata. Recolhem o material de trabalho e uma armadilha que ficou pendurada num galho com gelo seco, que simula dióxido de carbono para atrair mais bichos.

No asfalto, colocam os tubos em um barril com nitrogênio líquido a -170 ºC para manter os insetos intactos. Dali, eles serão separados por espécie no laboratório central da Sucen e enviados ao Adolfo Lutz para a investigação da possível carga viral. O resultado servirá para nortear as ações seguintes de combate à doença, mas não é possível passar fumacê na mata –seria como enxugar gelo.

No dia seguinte, a expedição vai voltar ao mesmo local. O trabalho na região só acaba quando se esgotarem os registros de febre amarela, algo incerto no curto prazo. "Temos chuva e pouco macaco na mata. Sem o animal, o mosquito desce da árvore atrás de alimento, e o homem fica suscetível", afirma Boulos.

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