Vírus da febre amarela não respeita mapa de vacinação, diz americano

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ANGELA PINHO
DE SÃO PAULO

O risco de a febre amarela passar a ter transmissão urbana no Brasil é alto, pois o vírus não respeita área de vacinação, afirma o americano Thomas Monath. Ex-diretor de doenças transmitidas por vetores do CDC (Centro de Controle de Doenças) dos EUA, ele diz que isso eleva o risco de a doença ser exportada, e que seu país não estaria pronto para essa situação.

Desde 1942, o Brasil só registra casos de febre amarela silvestre –transmitida por insetos presentes só em área de mata. A circulação urbana pode passar a ocorrer se uma pessoa infectada for picada pelo mosquito Aedes aegypti, cujo habitat são as cidades.


Crédito: Ira Wyman/Sygma via Getty Images

Thomas Monath, 77

Quem é
Especialista em doenças virais, como febre amarela e ebola, e em vacinas

Cargo atual
Sócio-gerente e chefe científico do laboratório Crozet Biopharma

Carreira
Ex-diretor de Doenças Virais Transmitidas por Vetores do CDC (Centro de Controle de Doenças) dos EUA


Hoje sócio de um laboratório privado, Monath é autor de diversos estudos sobre febre amarela, inclusive em parceria com pesquisadores brasileiros, e diz ser correta a ação do país no cenário atual.

Segundo o Ministério da Saúde, desde julho de 2017 foram confirmados 130 casos de febre amarela no país. Na contagem do governo paulista, que inicia seis meses antes, são 134 só no Estado de São Paulo desde janeiro de 2017, com 52 mortes.

Folha - O que pode explicar o avanço dos casos de febre amarela no Brasil?
Thomas Monath - A ampliação da transmissão silvestre, envolvendo mosquitos e macacos, por fatores que não
são inteiramente conhecidos, mas podem ter a ver com o último El Niño (2014-2016), seguido de período seco.

Como o El Niño pode ter contribuído?
Há muitas teorias sobre como condições de seca causadas pelo El Niño podem ter afetado o movimento de primatas não-humanos.

A estratégia de vacinação adotada atualmente é eficaz?
A vacina contra a febre amarela é a mais efetiva que se conhece. Mas um grande problema é que há uma escassez global da vacina devido a obstáculos com a fabricação em grande escala e poucos produtores. Um segundo problema é a falta de vontade política e de política de uso da vacina, resultando em baixas taxas de cobertura de vacinação, de cerca de 45% a 50% em países em risco, em geral. O Brasil tem um índice melhor no interior, mas metade da população que vive na região costeira [de mata atlântica, que inclui capitais de SP e Rio], o equivalente a cerca de 100 milhões de pessoas, não é vacinada.

Vários casos foram registrados em áreas sem recomendação da vacina. Houve erro na definição dessas áreas?
As fronteiras não são fixas, e o ciclo de transmissão silvestre não respeita nenhuma linha artificial de demarcação.

Sendo assim, foi correto basear a recomendação de vacina nessas áreas de risco?
Sim, com base em décadas e vigilância e entendimento sobre a atividade do vírus da febre amarela no Brasil.

A expansão da imunização poderia ter sido feita antes?
Há questões complexas em jogo. As áreas de vacinação aumentaram consideravelmente ao longo dos últimos dez anos. Ninguém poderia ter previsto com precisão a necessidade atual de, ao menos temporariamente, expandir [ainda mais] as áreas de risco.
As autoridades responderam adequadamente a um padrão de risco em mudança. A questão de o que fazer sobre a vacinação da grande população costeira é complexa. Ela tem a ver tanto com a disponibilidade de vacinas como com o risco/benefício, uma vez que há riscos associados à vacinação -são eventos adversos raros, mas graves. Naturalmente, teria sido inteligente ter toda a população vacinada, mas isso terá que ser feito de forma cuidadosa.

Como avalia o uso de doses fracionadas da vacina?
É uma boa abordagem em caso de emergência ou quando os suprimentos de vacinas são inadequados, como é o caso de 2017 e 2018. Há bons dados que mostram a efetividade da dose fracionada, mas eles se baseiam em um número relativamente pequeno de pessoas cujas respostas imunes foram medidas, e há poucas informações sobre a persistência da imunidade. Apesar disso, é correta a decisão.

O que mais o país deve fazer para conter o vírus?
Primeiro, continuar a implementar medidas para imunizar pessoas na área expandida de risco. Em segundo lugar, aumentar a vigilância para monitorar e detectar rapidamente qualquer eventual propagação do vírus no ciclo de transmissão urbana [envolvendo Aedes aegypti e pessoas]. E, por fim, tomar medidas a longo prazo para aumentar a produção de vacina.

Há risco de o vírus se espalhar para outros países? Os EUA estariam preparados?
Sim, o risco de urbanização da febre amarela na região de costa [mata atlântica] do Brasil é alto, e isso eleva o risco de exportar o vírus por meio de pessoas infectadas deixando o país em viagens aéreas.
Os EUA não estão prontos. O fabricante de vacinas do país foi fechado há alguns anos. Um risco maior existe na América Central e no Caribe, pois todas as condições para a transmissão silvestre do vírus estão presentes ali. É maior também em razão da circulação rápida de pessoas e, possivelmente, de mosquitos, dentro da América Latina.

O que pode ser feito para aliviar a crônica falta de vacinas?
Aumentar a produção dos quatro fabricantes mundiais, conduzir estudos clínicos sobre fracionamento e, a longo prazo, desenvolver uma vacina baseada em cultivo celular [e não em ovos de galinha, como é feito atualmente, cuja produção é considerada mais trabalhosa].

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