MARCEL RIZZO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM FORTALEZA

"Ao entrar, baixe o vidro do carro ou tire o capacete. Ass: o crime". Ao andar por Fortaleza (CE) não é difícil encontrar o recado pichado em muro próximo ao acesso de alguma comunidade.

E não apenas em áreas tradicionalmente violentas, como Bom Jardim (onde foi assassinada a travesti Dandara, em 2017) ou Barroso (ao lado do Forró do Gago, palco da chacina que matou 14 pessoas no fim de semana). Isso ocorre também perto de onde se multiplicaram nos últimos anos diferentes condomínios para a classe média.

As duas chacinas na capital do Ceará no sábado (27) e na segunda (29), que deixaram 24 mortos e dezenas de feridos, escancararam a guerra entre facções criminosas.

A sensação é de medo e de necessidade de mudar a rotina, apesar de o governador, Camilo Santana (PT), ter afirmado domingo (28) que o Estado está no controle, caso contrário as pessoas "não estariam andando nas ruas".

Há casos de taxistas e motoristas de aplicativos que rejeitam corridas a lugares considerados perigosos, de comércios liberando funcionário mais cedo, com o dia ainda claro, e colégios que não começaram as aulas nesta segunda-feira diante de ameaças recebidas por professores.

O conjunto José Walter está a quase 10 km do local da do Forró do Gago, no bairro das Cajazeiras. Apesar da distância, por ali também há medo: quatro eventos de pré-Carnaval marcados para acontecer nas duas próximas sextas foram cancelados.

Ninguém confirma a pedido de quem, mas o objetivo é evitar aglomerações. Temia-se também prejuízo se ninguém aparecer. Por medo.

Crédito: Editoria de Arte/Folhapress

No mesmo bairro, lojas têm fechado mais cedo. "Isso para os funcionários irem embora ainda com o dia claro", contou a atendente de uma ótica que pediu para não ter o nome divulgado –às 17h, nesta época do ano, já está escuro em Fortaleza.

Na Barra do Ceará, próximo à orla e de pontos turísticos como a Praia de Iracema, funcionários da escola municipal Dois de Dezembro chegaram para o início das aulas e encontraram paredes pichadas com ameaças de morte a alguns professores.

"Vamos invadir e matar geral", dizia, com a sigla CV (da facção Comando Vermelho). Citava, ainda, o nome de alguns funcionários. Não há previsão de quando as aulas serão retomadas por ali.

A morte de uma pessoa que trabalhava com a Uber na chacina de sábado fez com que taxistas e motoristas de aplicativos se recusassem a seguir para algumas regiões consideradas mais violentas nos últimos dias.

Para aqueles que vão ao bairro das Cajazeiras, por exemplo, até mesmo a polícia pede para que se siga as orientações que estão pintadas em vários muros: não entrar de carro com os vidros escuros levantados.

A reportagem constou a orientação da PM nos últimos dias, ao passar pelos bairros próximos ao crime.

"Há uma clara sensação de insegurança. Há bairros onde existe o toque de recolher. Estão se fechando postos [de gasolina] e mercados que eram 24 horas. Está se restringindo o direito de ir e vir", disse Marcelo Mota, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil no Ceará.

No interior, há relatos de funcionários do Judiciário com medo de ir ao trabalho, já que facções se especializaram em ataques a fóruns.

Três cidades já foram alvos de bandidos neste mês –Fortim, Maranguape e Tianguá. A estratégia é a mesma: arrombamento noturno para roubo de armas. Ao saírem, picham nas paredes as siglas que identificam suas facções.

Crédito: Wellington Macedo/Futura Press/Folhapress Presos transferidos após confronto de facções na Cadeia Pública de Itapajé (CE); 10 morreram
Presos transferidos após confronto de facções na Cadeia Pública de Itapajé (CE); 10 morreram

FIM DA TRÉGUA

Em 2017 houve seis chacinas no Ceará, a maioria na região metropolitana de Fortaleza. Considera-se chacina casos com mais de três mortos no mesmo episódio.

Só neste mês já foram três. Além da chacina do fim de semana e da morte de dez presos na Cadeia Pública de Itapajé, quatro pessoas foram mortas em uma casa na serra de Maranguape.
Em 2016 foram registrados três casos o ano todo, e dois deles em unidades prisionais.

O número bem mais baixo dois anos atrás coincidiu com o período de paz entre as duas principais facções criminosas rivais que atuam no Ceará, o Comando Vermelho e o PCC –este último têm como principal aliado o grupo local Guardiões do Estado, suspeito de comandar a chacina do Forró do Gago.

"A redução em 2016 veio do acordo das facções, por disputa territorial, o que levou a menos assassinatos", segundo o sociólogo Luiz Fábio Paiva, pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência (LEV) da Universidade Federal do Ceará.

A guerra entre os grupos, diz ele, voltou no fim de 2016, ainda mais forte. "E estão mais ousados. Quando o governador diz que tem tudo sob controle, eu pergunto: em que rua se pode andar tranquilo em Fortaleza?".

O número de homicídios no Ceará saltou de 3.407, em 2016, para 5.134 em 2017, aumento de mais de 50%. Somente em Fortaleza, esse aumento foi ainda maior, de 96%, saltando de 1.007 homicídios em 2016 para 1.978 no ano passado.

Procurada, a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Ceará não se manifestou sobre os relatos de insegurança de moradores e a rixa entre facções.

No domingo, o governador anunciou medidas para tentar conter a violência, como a integração das inteligências das policias, Ministério Público, Defensoria Pública e Polícia Federal. Também citou a criação de uma vara especializada na Justiça para dar andamento mais rápido a casos de mortes ligadas ao tráfico e o aumento no efetivo em 1.400 policiais até maio.

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