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25/07/2010 - 11h52

Após enchentes, vítimas de tragédia em Alagoas vivem em situação precária

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FÁBIO GUIBU
ENVIADO ESPECIAL A MURICI (AL)

Pouco mais de um mês após a tragédia provocada pela enchente que atingiu parte do Nordeste, centenas de famílias que perderam suas casas em Alagoas ainda vivem em abrigos lotados, onde a higiene é precária e a violência amedronta os próprios desabrigados.

Leo Caldas/Folhapress
Crianças e adultos tomam banho, escovam os dentes, lavam roupas e pratos em caixas d'água instaladas em frente aos abrigos
Crianças e adultos tomam banho, escovam os dentes, lavam roupas e pratos em caixas d'água nos abrigos

Homens, mulheres e crianças andam descalços na lama fétida que se forma próximo aos banheiros.

Em Murici (a 50 km de Maceió), flagelados tomam banho com as roupas do corpo, à vista de todos. Com a mesma água, lava-se a louça.

Na vizinha União dos Palmares, a situação é parecida. Na Escola Estadual Monsenhor Clóvis Duarte de Barros, crianças urinam no pátio e mulheres cortam galinhas sobre bancos de concreto.

Famílias reclamam de furtos nos barracos. Brigas de casais e desentendimentos provocados pela presença de animais ou por barulho excessivo são constantes.

No dia 17, um homem esfaqueou a ex-namorada de 17 anos em frente à escola. A adolescente sobreviveu. O agressor foi preso.

Em Murici, a Folha presenciou a intervenção de guardas municipais em briga de casal. O homem agrediu a mulher e foi retirado do abrigo, sob ameaça de prisão.

A ociosidade e o consumo de bebidas alcoólicas contribuem para elevar a tensão. Há um mês, a principal atividade das vítimas da chuva é vigiar a chegada dos veículos que trazem doações.

AMEAÇAS

Quando os carros chegam, há correria. Integrantes de uma mesma família se dispersam, na tentativa de obter mais de um benefício.

"Antes existia respeito. Agora, já fui ameaçada por um morador que queria mais doações", disse a diretora da escola Monsenhor Clóvis Duarte, Santina Veras. "Aqui eu não fico mais em tempo integral", afirmou. "Tenho dois filhos para criar." No local estão 398 desabrigados.

Danilo Verpa-30.jun.10/Folhapress
Rio Mundaú, em União dos Palmares, transbordou causando enchentes e destruição em Alagoas
Rio Mundaú, em União dos Palmares, transbordou causando enchentes e destruição no Estado de Alagoas

Homens da Força Nacional armados com fuzis vigiam abrigos durante o dia para evitar tumultos. O Exército, que chegou a atuar em dez municípios, hoje trabalha apenas em Murici e em Branquinha, na organização e entrega de donativos.

No centro de distribuição de Murici, crianças com 12 anos de idade transportam as doações em carrinhos de mão. Em troca, recebem entre R$ 2 e R$ 5 dos flagelados.

Nas áreas devastadas, o trabalho infantil também é comum. Meninos arrastam barras de ferro retorcidas para vender a R$ 0,10 o quilo.

O governo de Alagoas anunciou que até o dia 20 de agosto pretende transferir os desabrigados para tendas individuais montadas em acampamentos provisórios.

Em alguns locais, como Murici, essa transferência já começou, mas o número de barracas é insuficiente.

Em Alagoas, a enchente ocorrida em 18 de junho atingiu 19 municípios e provocou a morte de 26 pessoas.

Segundo o governo, o número de desabrigados chegou a 27.757 e o de desalojados a 44.504. O prejuízo estimado é de R$ 954 milhões.

SOBREVIVENTE

Em 18 de junho, Cícero Mariano da Silva, 45, passou nove horas agarrado a um coqueiro e escapou da cheia do rio Mundaú, em União dos Palmares (81 km de Maceió). Levado a um abrigo coletivo, ele ainda não conseguiu deixar o local, onde mora com a família em um cercado de 25 metros quadrados há mais de um mês.

Daniel Marenco-22.jun.10/Folhapress
Moradores alojados em salas de aula no colegio Monsenhor, de União dos Palmares, após enchentes
Moradores alojados em salas de aula no colégio Monsenhor, de União dos Palmares, após enchentes

Ex-funcionário de um frigorífico que ruiu na enchente, "Botinha", como Silva é conhecido, continua desempregado. Ele passa os dias andando na cidade atrás de "mistura" para as refeições -principalmente carne.

Silva usa a amizade conquistada no trabalho para conseguir ajuda na feira da carne, um grande galpão onde os açougueiros cortam e vendem animais abatidos.

"Sempre tem um ou outro que ajuda", diz ele. "Hoje, o amigo deu uma rabada, que já vai para a panela." Botinha não reclama da vida que leva na escola transformada em abrigo e afirma que não pretende se mudar para uma tenda, como quer o governo.

"Fui ver a barraca e é muito pequena", disse ele. "O cabra entra, mas não pode ficar em pé", reclamou. "Eu não vou viver numa casinha de cachorro", declarou.

A mesma coisa pensa o funileiro José Cícero Medeiros de Moura, 36, que perdeu sua casa e sua oficina na enchente. Após a tragédia, ele acampou sobre os escombros e só saiu de lá há 15 dias, depois que um trator passou por cima do seu barraco.

NA OFICINA

Mas Moura não procurou um abrigo coletivo. Preferiu morar em uma oficina de funilaria, onde conseguiu emprego e recebe cerca de R$ 400 por mês -um quinto do que faturava mensalmente com o negócio próprio.

Durante as duas semanas em que viveu nos escombros, o funileiro garimpou materiais de construção. Planejava erguer um galpão em um terreno qualquer. Porém, dos cerca de 2.000 tijolos que recolheu, ladrões levaram a metade. Também ficou sem as 300 telhas que juntou.

Moura dorme sobre tábuas colocadas ao longo das vigas de madeira que sustentam o teto da oficina. E usa a carcaça de um carro como armário para guardar o saco de roupas que lhe restou.

Editoria de Arte/Folhapress
 

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