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Flautista pede ajuda contra o crack em avenida movimentada de SP
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NATÁLIA CANCIAN
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
O movimento do trânsito na avenida Roberto Marinho quase esconde o som da flauta de Charles Pereira Gonçalves, 37. Mas ele permanece até o fim da música. Quando termina, volta para sua "casa", que fica em uma alça de acesso da avenida, um barraco montado com lona, toalhas e um colchão e que divide com sua namorada --ele prefere que o nome dela não seja divulgado.
Charles começou a tocar flauta aos dez anos. Chegou aos palcos depois que gravou um disco, aos 14. Chegou a ir para a Europa, em países como a Inglaterra e Holanda. Mas parou tudo aos 21, quando descobriu o crack. "Eu andava com más companhias", diz.
Nesta semana, ele começa um tratamento no Caps (Centro de Atenção Psicossocial), depois de ser abordado por uma equipe da prefeitura e da Polícia Militar. E diz que quer sair das ruas. "Como vou fazer tratamento contra o crack e continuar perto das pessoas que usam?".
LEIA O DEPOIMENTO DE GONÇALVES:
Rodrigo Capote/Folhapress | ||
Charles Gonçalves, 37, já gravou disco e fez concertos na Europa; usuário de droga, está começando tratamento |
*
Comecei a tocar flauta aos dez anos. Meu pai era músico, tocava violão de sete cordas e um pouco de flautinha. Eu e meu irmão tínhamos medo dele, então esperava ele sair para tocar. Um dia ele esqueceu a carteira em casa. Quando voltou, me pegou no flagra.
Eu tinha dez anos e já tocava "Brasileirinho". Seis meses depois ele não tinha mais o que ensinar. E aí eu tive que aprender sozinho. Escutava Noel Rosa, Nelson Cavaquinho. Meu sonho era ser igual ao Altamiro Carrilho, um rei da flauta.
Com 14 anos eu, meu pai e meu irmão começamos a tocar no centro da cidade, para conseguir dinheiro e sobreviver. E aí apareceu um produtor que me convidou a gravar um disco.
O vinil, com 12 músicas, era um brinde a funcionários da Eletropaulo. Mas o buchicho foi tão grande que uma gravadora passou a comercializar. Era 1988. Até hoje eu não recebi os direitos autorais das 10 mil cópias vendidas.
Um ano depois eu comecei a ganhar prêmios e a participar de programas de TV. Cheguei a tocar em países como a Inglaterra e a Holanda. Em 1992 tudo isso parou.
Eu lembro do último programa que gravei na época, anunciando que eu tinha ganhado uma bolsa de estudos para estudar na Europa. Me despedi e disse que por um tempo não ia voltar. Mas a bolsa não saiu.
Nessa mesma época experimentei maconha. Eu andava com más companhias. Se eu negava, eles diziam "Ah, seu pai que é careta". Dois anos depois, estava no crack.
A partir daí tudo ficou mais difícil. Cheguei em um estágio que não podia mais voltar para casa. Já morei na Vila Madalena, na Amaral Gurgel embaixo do viaduto, Itaquera... Estou aqui há cinco meses [em uma alça da av. Roberto Marinho].
Na rua você enfrenta de tudo. Tive problemas com a Justiça. Em todos os casos, foi pelo crack. Peguei sete anos e oito meses de prisão por tentativa de homicídio, assalto e porte de arma.
Em uma "saída", do Dia da Crianças, me chamaram para tocar com uma banda. Fui ficando e acabei foragido. Até que um segurança desconfiou da minha imagem de malandro. E falou: "você tem talento, cumpre horário, mas precisa resolver seu problema com a Justiça". Voltei e cumpri o que faltava. Desde janeiro não devo mais nada.
Mas aqui fora eu estou pagando o pão que o diabo amassou. Perdi duas flautas transversais de mais de mil reais que ficaram na delegacia, porque ninguém foi buscar. Quando saí da prisão, não tinha para onde ir.
Então voltei para a rua e acabava colando nessa região para fumar. Tenho uma namorada, que conheci pelo crack. Moramos juntos.
Mas não quero mais ficar aqui. Como vou fazer tratamento contra o crack e continuar perto das pessoas que usam? Quero um lugar para tomar banho, me vestir bem, ser digno.
No dia a dia eu durmo tarde e acordo cedo com a polícia metendo o pé no meu barraco. Eu toco flauta no farol para conseguir algum dinheiro. Também componho. Minha vontade é fazer algumas criações, misturar o som da flauta com o eletrônico.
O desejo de parar de usar crack já vem há bastante tempo. Quando me ofereceram o tratamento no Caps, eu aceitei na hora. Amanhã tenho consulta com a psicóloga e vou fazer um check-up, ver essa tosse que não para. Quero seguir em frente com o tratamento e meu trabalho.
Tenho um filho de cinco anos, que só vi uma vez. Preciso ser exemplo para que ele não vá para o mesmo caminho. Se você puder, escreve aí para me ajudar: "Ei, você que é empresário, há uma mina de ouro nas ruas".
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