Crise preocupa, mas não tira 'singela positividade' de investidores sociais
Mesmo diante da crise econômica e política que assola o Brasil, famílias investidoras sociais têm uma "percepção singelamente positiva" para o futuro e a expansão do setor que representam nos próximos anos.
Em sua maioria, esse grupo de investidores, que representa 7% dos 160 bilionários do país, acredita que vão surgir, nos próximos anos, novas famílias investidoras sociais, com mais recursos e atuação mais organizadas.
As informações são do relatório Retratos do Investimento Social Familiar no Brasil, lançado pelo Gife no início deste mês, organização sem fins lucrativos que reúne os principais investidores do país.
Para levantar os dados qualitativos, foi usada uma mostra composta por 17 famílias que mantém institutos e fundações que investem em causas sociais, que compõem o Gife e outras seis convidadas.
Membros de algumas das famílias mais influentes na economia e na política brasileiras, seja por meio da administração de suas empresas, da interação com gestores públicos de alto escalão, do número de funcionários que possuem, ou da contribuição que fazem para partidos políticos (financeira e intelectual), participaram do levantamento.
Para a composição do relatório, foram ouvidas organizações como Fundação Affonso Brandão Hennel, da família de Affonso Brandão Hennel, fundador da Semp Toshiba, Fundação Tide Setubal, presidida pela educadora Neca Setubal, herdeira do Itaú e Instituto Ayrton Senna, mantida pelos royalties dos contratos de imagem do piloto Ayrton Senna e presidida por sua irmã, Viviane Senna, entre outras.
Dos entrevistados, 40% fazem parte dos 160 bilionários brasileiros. Eles concederam entrevistas sob a condição de anonimato e de não ligação de dados às respectivas organizações.
A criação do relatório surgiu para compreender o aumento do número de investidores familiares associados ao Gife. Somente nos últimos sete anos, o número de famílias ligadas à organização cresceu mais de 140%, passando de 8 para 21, em 2015.
Segundo André Degenszajn, secretário-geral do Gife, o aumento de interesse pela área entre as famílias mais ricas do Brasil é um reflexo de um movimento.
"As motivações delas vêm, principalmente, após deixarem o controle de suas empresas ou de abrirem capital, assim, acabam se afastam dos cargos administrativos e criando suas próprias instituições filantrópicas", diz Degenszajn.
Apesar da visão positiva predominante, parte dos entrevistados foi mais cética em relação aos próximos anos "prevendo" um "futuro negro" para o setor, ou seja, um decréscimo do movimento do qual fazem parte, mencionando que algumas fundações estão fechando em função da crise.
"A recessão e as empresas e o Brasil com menos recursos, levam ao encolhimento do campo filantrópico", conta Degenszajn. "Porque o dinheiro não está nas instituições, a maior parte das fundações recebem recursos anuais das suas famílias mantenedoras, que têm aplicações no mercado financeiro, em ações, nas empresas. Então, se o mercado está desaquecido, tende a ter menos recursos para a filantropia", afirma.
De acordo com Degenszajn, a tendência é a de que as famílias não ampliem seus investimentos para 2016, algumas, ainda, devem reduzir os que já faz.
Ana Carolina Velasco, coordenadora da pesquisa, afirma que as famílias estudadas já têm recursos predestinados ao investimento social e que não ficam tanto associados os cortes da crise. "Mas elas estão tendo mais cuidado, porque querem manter o investimento", diz.
Os bilionários acreditam que o crescimento do setor depende também da união de forças, da superação do caráter individualista dos investidores e do fortalecimento institucional das organizações da sociedade civil como um todo e aumento da profissionalização do setor.
RECURSOS
Em média, as organizações familiares entrevistadas aplicam R$ 14,5 milhões por ano em suas iniciativas filantrópicas. Elas enxergam o papel que representam como complementar ao setor público, de construção da cidadania, de "civilizar" o governo e de questão de moral.
Das organizações ouvidas, 39% afirmaram que o valor de seu investimento social é estipulado com base em uma proporção de seu patrimônio total, apesar de nem todos terem ainda atingido o percentual estipulado.
O dinheiro aplicado é predominantemente oriundo do setor industrial (35%) e do setor financeiro (30%). São famílias que enriqueceram por meio de atividades industriais no final do século 19 e durante o 20, com construção civil, indústria têxtil, tecnologia, siderurgia e cosméticos. O setor bancário e financeiro também são relevantes investidores da área.
ATUAÇÃO
O campo preferido de investimento do grupo de investidores é o da educação, 40% deles aplicam na causa por acreditarem ser um setor estratégico no qual está a raiz dos problemas brasileiros.
A definição de área de foco passa, geralmente, pela vontade do patriarca – responsável pela fortuna das famílias, e pela "cultura familiar", ou seja, pela visão que a família tem do país e da solução para os seus problemas sociais.
No entanto, o relatório mostra que a influência do patriarcado tem se esvaído nas últimas décadas, principalmente após a terceira geração de herdeiros assumirem as organizações, que, por sua vez, passam a ficar sob liderança feminina.
A origem do interesse em atuar na área social entre essas famílias está associada às lembranças afetivas de ações realizadas por seus pais e avós, muitos deles antes de terem feito ou consolidado fortuna.
A religiosidade e a trajetória de vida, como dos antepassados que migraram para o Brasil em condições críticas em tempos de guerras, também estão entre as influências para a prática da filantropia. Somente 11% se dizem inspirados pelas desigualdades sociais.
DESAFIOS
Em contramão a popular cultura de doações dos Estados Unidos, onde heranças investidas em organizações sociais não são tributadas pelo governo, o Brasil tributa dinheiro deixado para herdeiros ou para causas sociais.
Para Degenszajn, esse é dos maiores entraves para a expansão da cultura de investimento familiar social no país. "No Brasil, aos olhos do governo, é indiferente se você coloca o dinheiro numa fundação, apoia uma organização sem fins lucrativos, ou deixa para seu filho."
Investimento social tímido e pouco número de investidores no setor também é encarado como um problema para quem aplica na área. Além de, desorganização e desconexão das próprias organizações, que muitas vezes atuam de forma dispersa, sem foco e de maneira assistencialista.