Vítimas de violência doméstica têm sorriso refeito por dentista voluntário
Sensibilizado com os dados de violência doméstica no Brasil, o dentista Fábio Bibancos, fundador da organização não-governamental Turma do Bem, resolveu criar o projeto Apolônias do Bem.
Há quatro anos, a iniciativa oferece tratamento integral e gratuito, feito por dentistas voluntários, para mulheres que vivenciaram situações de violências em casa.
"A marca da violência estava na boca dessas mulheres. Sentíamos a necessidade de fazer essa nova denúncia", conta o vencedor do Prêmio Empreendedor Social em 2006.
"Depois de passar pelo tratamento, elas renascem, conseguem mastigar e comer, fora a vaidade que desabrocha de volta", afirma Bibancos.
A ONG, que conta com um grupo de 16 mil dentistas voluntários, espalhados por 12 países da América Latina e Portugal, tem como foco prestar atendimento odontológico gratuito a adolescentes e jovens de baixa renda.
As Apolônias são ou fizeram parte de estatísticas que desafiam as políticas públicas no país: cinco mulheres são espancadas a cada dois minutos no Brasil, de acordo com dados da Fundação Perseu Abramo, de 2011.
É no ambiente doméstico que acontecem 27,1% dos homicídios de mulheres.
Entre as vítimas que foram atendidas pelo SUS em 2014, 67,2% foram agredidas por um parente próximo, parceiro ou ex-parceiro, de acordo com Mapa da Violência 2015 - Homicídio de Mulheres no Brasil.
O país figura na quinta posição entre os 83 mais perigosos para a mulher no mundo, atrás de El Salvador, Guatemala, Colômbia e Rússia: com 4,8 assassinatos para cada 100 mil mulheres.
Uma realidade que bate à porta do consultório da dentista Caroline Serrão, 37. Ao atender pacientes encaminhadas pelo projeto Apolônias do Bem no Espírito Santo, ela constata que elas são agredidas, principalmente, nos seios, ventre e no rosto. Razão pela qual muitas perdem os dentes.
"Uma das mulheres que atendo foi torturada porque o ex-namorado não aceitou o término do relacionamento". relata Caroline. O tratamento de reconstrução já dura um ano e meio.
"Ela teve fraturas múltiplas no rosto, perdeu todos os dentes. O maxilar entrou no crânio. Sofreu traumatismo e perdeu um pedaço da calota craniana, além de perfuração no pulmão."
Vale o esforço e o engajamento. "Depois, vejo essas mulheres saindo reabilitadas como um todo, principalmente a autoestima", conta a dentista.
O nome Apolônias é uma homenagem a personagem histórica que viveu em Alexandria, no Egito e, morreu em 249, após ser presa, espancada e ter os dentes quebrados e arrancados.
Por essa razão, é considerada a padroeira dos dentistas e de quem tem problemas bucais.
Nascida como projeto piloto para atender mulheres que passaram por situações de violência em São Paulo, a iniciativa se estendeu para o Rio de Janeiro e Espírito Santos nos dois anos seguintes.
A meta de Bibancos para este ano é ampliar o projeto para todo o território nacional.
Para obter tratamento, as mulheres passam por uma triagem realizada pelos dentistas voluntários nos centros de atendimentos à mulher das cidades onde residem.
VIDA NOVA
A aposentada Lauriete Martins, 62, foi uma das mais de 600 mulheres, vítimas de violência doméstica, no Brasil, que passaram pelo projeto Apolônias do Bem.
Para fugir do desemprego que assolava o interior baiano, a então diarista desembarcou em São Paulo há 31 anos, ao lado do marido, pedreiro, e da filha ainda bebê.
Foi quando o casamento mergulhou em uma crise de ciúmes. Vieram as agressões físicas e as ameaças do marido, caso o denunciasse, se tornaram constantes na casa da família no Itaim Paulista, zona leste.
A situação piorou quando Lauriete, quase aos 40 anos, desenvolveu um câncer no útero. Com dores e passando por um tratamento pesado seguido de cirurgia, ela passou a recusá-lo na cama, o que o deixou ainda mais furioso e violento.
Até que um dia ele fechou toda a casa e a atacou. "Foram vários golpes de marreta e martelo. Minhas filhas gritavam para ele me soltar e não me matar", conta.
Além de perder todos os dentes, ela teve fraturas nos ossos da face. "Fiquei toda deformada das pancadas", diz.
Ainda fragilizada, a baiana se separou e encontrou um novo companheiro.
No entanto, foram mais de 10 anos para que voltasse a sorrir, sair de casa e poder mastigar os alimentos normalmente.
Conheceu um "dentista do bem" e foi selecionada para passar por um tratamento dentário completo e gratuito.
"Foi a mesma coisa de acertar na loteria", diz ela, que passou por cirurgia e teve todos os dentes reimplantados.