Indivíduos, não empresas ou governo
Tenho estudado o tema das doações no Brasil.
Como presidente da ABCR, organização que se dedica a promover a captação de recursos como uma profissão fundamental para a sustentabilidade do terceiro setor, é importante entender também o outro lado, o dos doadores, suas motivações e o perfil que têm no país.
E concluo, com cada vez mais convicção, que a doação no Brasil é majoritariamente ligada a pessoas físicas, a indivíduos. Explico.
Primeiro, olhamos os números disponíveis sobre as doações no mundo. Os dados americanos, recém-divulgados, trazem uma informação reveladora: por lá, 72% de um total de US$ 720 bilhões por ano são doados por indivíduos. Empresas representam apenas 6% deste total, e o governo nem é considerado.
Na Inglaterra, outro exemplo, as doações de indivíduos totalizaram, em 2011, R$ 35 bilhões de reais.
Já as doações corporativas alcançaram R$ 2,2 bilhões, valor que representou apenas 2% do total das receitas das organizações não governamentais (ONGs) britânicas.
Essa realidade das doações de indivíduos representando muito mais no total doado reproduz-se pelo mundo em outros países, como Austrália, Espanha, Canadá, etc.
No Brasil, também já há indícios que mostram o peso das doações realizadas por indivíduos.
A pesquisa da organização ChildFund, publicada em 2011, traz um total de R$ 5,2 bilhões doados anualmente, um valor considerável.
Enquanto isso, o Censo Gife 2012 totaliza R$ 624 milhões de doações feitas por empresas, fundações e institutos, e o Relatório BiscComunitas 2011 identificou R$ 1,6 bilhão de investimentos sociais de 23 grandes corporações empresariais nacionais.
Ou seja, olhando apenas os números frios, lá e aqui, vamos provavelmente chegar à mesma conclusão: tem mais dinheiro de indivíduos sendo doado do que de empresas.
Mas há também uma percepção intuitiva. Os últimos anos de crescimento econômico brasileiro, com o desenvolvimento de uma forte classe média, com recursos disponíveis para gastar e também para doar, têm estimulado a criação de grandes estruturas para captação de doações com indivíduos.
Organizações internacionais como Médicos Sem Fronteiras, WWF, Aldeias Infantis, ActionAid, SavetheChildren, Greenpeace, etc., e nacionais, como o Graacc, Fundação DorinaNowill, Instituto Ayrton Senna, dentre outras, perceberam o potencial que existe por aqui com indivíduos, e têm investido nessa poderosa fonte de recurso.
Doações recorrentes (mensais), microdoações, "crowdfunding", eventos, campanhas capitais, campanhas anuais, "major donos" (grandes doadores) e até doação de legados são formas de se captar com indivíduos cada vez mais comuns por aqui, reproduzindo modelo já consolidado lá fora e reforçando a relevância dessa estratégia.
Ouvi, recentemente, da fundadora de uma grande organização nacional, que a solução para o financiamento das ONGs está nas empresas. Não concordo. A solução está nas pessoas, e as organizações da sociedade civil cada vez mais percebem isso também.
Empresas e o governo são importantes, sim, como parceiros ou financiando ações específicas, e talvez até para promover o fortalecimento da capacidade institucional das ONGs, mas não para sustentá-las.
É assim que funciona nos países onde a cultura da doação é bem desenvolvida. E é para esse modelo que caminhamos no Brasil.
João Paulo Vergueiro, administrador, é presidente da ABCR (Associação Brasileira de Captadores de Recursos) e professor da Fecap.
e-mail: presidente@captacao.org