Afinal, quanto se pode pagar aos dirigentes das organizações da sociedade civil?
A remuneração de dirigentes das entidades sem fins lucrativos foi, por décadas, um tabu.
Não é mais, graças às modificações legislativas que começaram em 1999, com a lei 9.790, das Osicps, e foram ampliadas em 2013, 2014 e 2015, com as leis 12.868; 13.151 e 13.204, respectivamente.
Todas essas leis dispuseram, com absoluta clareza, que é possível remunerar os dirigentes executivos de entidades sem fins lucrativos.
E também que o valor dessa remuneração não pode ser exorbitante ou destoante do mercado. Mas deixaram na incerteza uma relevante questão: o valor máximo da remuneração.
A lei das Oscips permite que as detentoras desta qualificação remunerem dirigentes que atuem na gestão executiva ou prestem serviços específicos à entidade, pelo valor praticado pelo mercado, na sua região de atuação.
A legislação foi complementada pela lei 10.637/02, que acrescentou duas novas condições para a regularidade da remuneração: estabelecimento de vínculo trabalhista entre entidade e dirigente e observância do teto remuneratório bruto do servidor público federal.
Para as Oscips, portanto, a remuneração dos dirigentes deve refletir o valor do mercado, mas se o mercado estiver muito "generoso", a remuneração será balizada por um segundo critério, o teto do Executivo Federal.
Somente em 2013 a legislação ampliou o universo das organizações autorizadas a remunerar dirigentes.
A lei 12.868 permitiu que as entidades imunes (educação e assistência social) e as detentoras do Cebas (entidade beneficente de assistência social) remunerem dirigentes estatutários.
O valor bruto correspondente, no entanto, deve ser inferior a 70% do limite da remuneração de servidores do Executivo federal. E o total pago para o conjunto de dirigentes seja inferior a cinco vezes o valor do limite individual.
Até então, era certo que a remuneração dos dirigentes das Oscips esbarraria em um teto (100% da remuneração máxima do Executivo federal) e das entidades de educação, assistência social e/ou detentoras do Cebas, em outro (70% da remuneração máxima do Executivo federal).
Mas em julho de 2015 a lei 13.151 trouxe novas alterações ao quase pacificado tema, estabelecendo que a remuneração a ser paga aos dirigentes executivos das entidades Cebas e das albergadas pela lei 9.532 observe, como limite máximo, o valor praticado pelo mercado na região de sua área de atuação.
O valor deve ser fixado pelo órgão de deliberação superior da entidade, registrado em ata, com comunicação ao Ministério Público, no caso das fundações.
Só que o fez sem revogar expressamente os artigos das duas leis anteriores que estabelecem um teto distinto, de 70% da remuneração máxima do servidor federal.
Portanto, com a superposição das regras e limites instituídos pelas leis 12.868 e 13.151, as entidades Cebas e as demais ficaram em dúvida sobre qual limite máximo remuneratório obedecer.
O da lei 12.868, que fala em 70% do teto federal, ou o da lei 13.151, que expressamente adota como "limite máximo" os valores praticados pelo mercado na região correspondente a sua área de atuação.
A lei 13.204, de dezembro de 2015, não trouxe solução ao impasse.
Ampliou o leque de entidades autorizadas a remunerar seus dirigentes executivos para todas as associações, fundações ou organizações da sociedade civil sem fins lucrativos que se dediquem a uma das atividades descritas no art. 3º da lei 9.790 e não participem em campanhas político-partidárias ou eleitorais.
Manteve, no entanto, o mesmo texto da lei 13.151, quanto ao teto remuneratório: "Respeitados como limites máximos valores praticados pelo mercado na região correspondente à sua área de atuação".
Com a barafunda de leis, resta saber: qual o teto que as entidades que desejam remunerar seus dirigentes devem respeitar? 100% da remuneração máxima do servidor federal? 70% da remuneração máxima do servidor federal? Ou o valor máximo praticado pelo mercado?
As detentoras do Cebas e as demais entidades regidas pela lei 9.532 devem, em meu entendimento, adotar como teto o valor máximo do mercado de sua área de atuação.
Isso porque lei posterior revoga anterior. Se não de forma expressa, de forma implícita, quando a nova disposição for contrária ou incompatível com a disposição antiga. Se tanto a lei 9.532 como a lei 12.101 contém artigos conflitantes, estabelecendo tetos remuneratórios diferentes, apenas um deles deve prevalecer.
E se o texto antigo determina que seja respeitado o limite máximo de 70% do teto federal e o texto novo exige seja respeitado o limite máximo praticado pelo mercado, este último é o que deve servir de parâmetro para remuneração dos dirigentes das Organizações da Sociedade Civil.
Quanto às Oscips, a tendência é mantê-las no regime antigo da remuneração limitada a 100% do teto federal, porque específico.
Mas cabe refletir: se as Oscips se enquadram perfeitamente na definição de associações, fundações ou organizações da sociedade civil sem fins lucrativos da lei 9.532, com a redação dada pela lei 13.204, por que mantê-las em um regime antigo limitante se um regime novo e mais benéfico lhes estende as mãos?
Sou da opinião, portanto, que as entidades sem fins lucrativos podem remunerar seus dirigentes executivos, respeitando como teto, unicamente, os valores máximos do mercado.
Resta saber se a Receita Federal partilhará deste mesmo entendimento e não penalizará as organizações que, buscando estruturar seus quadros com profissionais qualificados e disputados, "ousem" lhes pagar uma remuneração condizente com o mercado, mas acima do maior valor pago ao servidor do Executivo federal.
ERIKA BECHARA é sócia de Szazi Bechara Storto Advogados, parceiro do Prêmio Empreendedor Social