Educação para impacto social deve estimular protagonismo e diversidade, dizem especialistas no Fiis

Festival também teve debate sobre sair da bolha para conhecer realidades diferentes

Everton Lopes Batista Beatriz Maia
Poços de Caldas (MG)

As universidades ainda não formam jovens para o empreendedorismo de impacto. Para mudar essa realidade, a educação deve se pautar por incentivar o protagonismo do jovem e incluir a diversidade, segundo participantes de uma discussão sobre o tema durante debate realizado no Fiis (Festival de Inovação e Impacto Social), nesta segunda-feira (5), em Poços de Caldas (MG).

"Ensinar protagonismo é um vetor de mudança da sociedade, e isso deve partir de dentro da sala de aula desde o ensino fundamental e da formação dos professores", disse Ismael Rocha, professor da ESPM.

"Devemos educar o jovem para que ele seja o dono da sua vida, do seu negócio, da sua cidade e até dos seus problemas", acrescentou Joana Rudiger, presidente da Enactus Brasil.

Incluir diversidade nesse processo é outro fator essencial, de acordo com os debatedores, capaz de trazer para a discussão pontos de vistas diferentes que podem gerar soluções inovadoras mais completas e abrangentes.

Ter uma sala de aula ou uma rede de empreendedores sociais mais diversos, porém, tem seus desafios.

Para Lucas Bernar, representante do movimento Choice, que reúne jovens empreendedores do país todo, trazer diversidade para as organizações depende de um esforço constante e consciente. “Temos de fazer a busca ativa e criar mecanismos internos para incluir pessoas diferentes”, afirmou.

Algumas vezes, a diversidade naturalmente tenta fazer seu caminho para dentro das instituições. Nesses casos, os gestores precisam estar atentos.

Foi o caso da Adel (Agência de Desenvolvimento Econômico Local), organização que já atua em mais de 40 cidades do Nordeste. Wagner Gomes, economista e diretor de negócios da agência, conta que cerca de 90% dos jovens filhos de agricultores inscritos no programa de formação da instituição são mulheres.

“Isso forçou uma oxigenação interna para nós, incluindo a diversidade de forma natural”, disse Gomes.

De acordo com Júlia de Carvalho, diretora do Fast Food da Política, o fato de a startup ter sido criada e sempre dirigida por mulheres contribuiu para o propósito do empreendimento, de levar conhecimento sobre política através de jogos.

“Quando a gente entende essas regras [políticas], a gente vê que o sistema e as regras foram feitas para pessoas específicas, elas não são neutras”, afirmou.

O projeto Biografias Colaborativas, feito pela Sanofi em parceria com a NBS Social Marketing, selecionou cinco empreendedoras da periferia de São Paulo para participar de um programa de mentoria com executivos da companhia.

A história das empresárias está registrada no livro que leva o nome do projeto e será lançado no dia 22 de novembro.

“Todas as referências dentro do universo dos negócios são masculinas. Reconhecemos como ‘homens de negócios’ homens brancos e de classe alta”, afirmou Aline Pimenta, diretora da NBS Social Marketing.

Estourar a bolha da inovação social para conhecer realidades diferentes foi o tema da discussão entre representantes da Global Shapers, iniciativa do Fórum Econômico Mundial para gerar impactos positivos na sociedade.

Segundo os participantes do debate, todos têm a tendência de se acomodar nos espaços que estão acostumados a frequentar, o que limita as possibilidades de interagir com diferentes meios. A saída para enfrentar o problema é fazer uma escuta ativa, ouvindo tudo que está sendo dito, sem jogar fora partes com as quais não concordam.

Uma das coisas mais fortes que a bolha constrói são os estigmas, disse Miguel da Hora, membro da Global Shaper e fundador da Projetistas Periféricos. “Você precisa se livrar de julgamentos, o que não é fácil. Ninguém está pronto para a realidade, mas se você quer compreender, precisa ir até lá”, completou o jovem.

Para Natalia D’alessandro, também da Global Shapers e fundadora da Engenheiros sem Fronteiras, nas conversas é preciso admitir que não se tem todas as respostas e perguntar. “Não sou obrigada a saber tudo. Temos que ter uma postura de curiosidade para entender que o mundo é muito complexo, e isso é muito legal também”, afirmou a ativista.

Uma educação voltada para o empreendedorismo, além de incentivar diversidade e estimular protagonismo, deve conter em si mesma métodos inovadores, segundo participantes de um debate sobre tecnologia durante o festival.

“Enquanto a gente não investir mais em educação, em novas formas e conteúdos na área, vamos deixar esse oceano imenso de oportunidades sem ser explorado”, afirmou Eduardo Lopes, coordenador da Estação Hack, centro para inovação criado pelo Facebook.

Segundo Claudio Sassaki, um dos fundadores da Geekie, plataforma adaptativa de ensino, um dos entraves para incluir novidades tecnológicas na educação básica é que o PNLD (Programa Nacional do Livro Didático), programa do governo que seleciona, compra e entrega material didático para os estudantes, ainda não aceita inscrições de produtos digitais, como a Geekie, por exemplo.

INVESTIMENTO SOCIAL

Raphael Mayer, um dos fundadores da Simbiose Social, plataforma criada para otimizar o investimento em Leis de Incentivo, defende que os recursos para investimento social dentro de grandes empresas sirvam justamente a empreendimentos de responsabilidade social, para que o dinheiro não se perca em outras áreas da empresa.

“Um investimento social bem gerenciado vai trazer um retorno natural de imagem e vai gerar engajamento interno dos funcionários”, disse.

Um exemplo foi o investimento feito por grandes organizações na startup Agrosmart. A plataforma de agricultura digital, hoje patrocinada por Google, Nasa e Coca-Cola, criou um aplicativo que coleta informações do solo e as transmite para o agricultor, indicando a hora correta da irrigação.

Flavia Neves, gerente de Comunicação e Sustentabilidade da Coca-Cola Brasil, contou que a gigante das bebidas encontrou a Agrosmart quando o Espírito Santo, principal estado fornecedor de frutas para seus sucos, passou por escassez de água, prejudicando a produção da companhia.

“A solução da Agrosmart reduz uso de água e aumenta a produtividade. Isso traz impacto positivo para o ambiente, para a economia e para o nosso negócio, que é beneficiado pela tecnologia”, afirmou Flavia. “Sustentabilidade deve ser vista como um valor, e não apenas uma área da empresa”, completou.

CRIAÇÃO DE REDES NA SAÚDE

Os desafios da atuação em rede para impactar comunidades desassistidas em saúde também foi tema em um dos painéis desta segunda-feira no Fiis. Merula Steagall, fundadora da Abrale (Associação Brasileira de Talassemia) e da Alianza Latina, que reúne organizações de apoio ao paciente, contou que foi inspirada ao perceber que pessoas com doenças diferentes enfrentam desafios semelhantes.

A partir disso, buscou formas de articular outras associações para trocar ferramentas de gestão, uma das principais barreiras para o bom andamento destas entidades. “As ideias estão aí para serem espalhadas, para que outras pessoas também se inspirem para agir”, disse Merula.

Outro exemplo da atuação em rede que traz benefícios para a saúde coletiva é a Renovatio, ONG que já doou mais de 12 mil óculos no Brasil, e que pretende distribuir um milhão de óculos até 2021. Nos mutirões promovidos pela iniciativa, as pessoas passam pela consulta com o médico e já vão com os óculos para casa.

“Conseguimos entregar a solução na hora, o que é fundamental para atender comunidades periféricas”, afirmou Ralf Toenjes, fundador da ONG que integra desde 2017 a Rede Folha de Empreendedores.

FESTIVAL

O Fiis ​contece entre os dias 2 e 7 de novembro no Palace Cassino, em Poços de Caldas (MG). O evento agrega o encontro anual da Rede Folha de Empreendedores Socioambientais, formada por cem líderes, o Congresso Sorriso do Bem, da Turma do Bem, correalizadora desta edição, e o Fórum Melhores Práticas para Saúde no Terceiro Setor, da Aliança Latina.

Na programação, temas como o futuro dos negócios sociais e das ONGs, captação, mobilização e conexão, inovação e novo significado do voluntariado serão discutidos durante masterclasses, workshops e painéis que contarão com a participação de empreendedores, investidores e empresas que atuam por impacto positivo

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