Foi com o pai que, desde cedo, Berenice Assumpção Kikuchi, 55, aprendeu a se preocupar com questões sociais. "Ele sempre foi envolvido com a comunidade do bairro", conta essa paulistana nascida na Cidade Patriarca (zona leste).
Herdeira da vontade de ajudar e de cuidar das pessoas, mais tarde ela decidiu que seria enfermeira. "Tinha medo de defunto e de sangue, mas fiz um curso de primeiros socorros e me apaixonei pela profissão."
Formada, trabalhava havia 15 anos na prefeitura, na zona leste, quando foi transferida para a zona sul e ficou sem função. Foi uma frustração. "Muitas coisas que considero ruins na minha vida foram de fato ruins, mas sempre soube transformá-las em coisas boas."
Um dia, uma colega de trabalho pediu ajuda: a vizinha descobriu que seu filho de dez anos tinha anemia falciforme. O caso despertou seu interesse. Em 1993, começou sua trajetória de pesquisa sobre a enfermidade.
"Saí da faculdade sabendo só que era uma doença de negros. É isso o que a maioria dos profissionais da saúde conhece."
A anemia falciforme é a doença hereditária de maior predominância no mundo e atinge descendentes de negros, pois surgiu de mutação genética na África. Os glóbulos vermelhos, em forma de foice, causam dores e problemas circulatórios que podem levar à necrose de partes do corpo -como o rim ou o cérebro. Pode ser fatal.
Berenice estudou mais. Mesmo sem dominar o inglês, visitou a Jamaica e os EUA, onde há centros de referência, para buscar dados e conhecer políticas públicas. Também se envolveu com questões raciais e com o movimento negro.
Luta vira lei
Todo esse estudo não ficou só no papel. Após quatro anos, acompanhando doentes e familiares, fundou, em 1997, a Aafesp (Associação de Anemia Falciforme do Estado de São Paulo), que dá atendimento, assistência jurídica, suporte a familiares e curso sobre a doença.
Naquele ano, conseguiu que o exame para detectar a anemia falciforme fosse incluído no teste do pezinho de recém-nascidos na cidade de São Paulo. Em âmbito federal, a lei foi determinada em 2001 e hoje vale em 12 Estados (o sistema de saúde descentralizado permite que os demais não adotem a medida). Em 2005, o Sistema Único de Saúde instituiu o atendimento aos doentes.
Além de sonhar com uma sede própria, Berenice espera a inserção da doença na formação básica de carreiras da saúde. E pretende se embrenhar em órgãos internacionais e alertar o mundo sobre a gravidade da anemia falciforme.