A fala suave e o ouvido atento são os trunfos do curitibano André Albuquerque, 42, para fazer uma disputa acabar em acordo, em vez de virar um confronto. E olha que as brigas que ele compra não são pequenas -medem-se em hectares.
De um lado estão famílias que moram em áreas ocupadas irregularmente e que não têm a posse legal dos terrenos. De outro, os proprietários das terras.
No meio, um advogado que tem o equilíbrio como norte. "Se é para entrar num caso para brigar, prefiro nem começar", diz André, com a serenidade de quem se define um idealista.
Ele desenvolveu uma metodologia de atuação legal para agilizar o processo de dar título de propriedade aos ocupantes e indenizar os proprietários.
Esse é o foco da empresa que fundou, a Terra Nova Regularizações Fundiárias, que, em seus sete anos, soma 30 mil contratos de regularização.
André gosta de dizer que a providência marcou a trajetória. Seguindo a veia da família, formou-se advogado, como 2 de seus 3 irmãos, tios e primos. Na Prefeitura de Pinhais (PR), iniciou-se em questões fundiárias. "Não elegi fazer media-ção, a vida me pôs nisso."
Ao ficar sem o emprego, resolveu abrir uma empresa social com fins lucrativos. Não só porque já era pai de três filhos mas também para ser mais independente do poder público.
A Terra Nova recebe uma porcentagem do valor do terreno que regulariza e reinveste parte do lucro na comunidade. Os moradores pagam, em parcelas, pela posse da terra.
"O mal não é ganhar dinheiro, e sim acumular riqueza. O que a empresa angaria tem de ser devolvido, gerar potencial para atender outros lugares. Se ela tivesse US$ 1 bilhão, estaria na África, na América Latina."
Sua idéia é capitalizar quem não tem capital. Quando o ocupante vira dono, pode ter acesso a financiamentos bancários. A comunidade, legalizada, passa a ter direito a melhorias como asfaltar e sanear ruas. "Quando se junta a comunidade para pressionar o poder público, exerce-se força política."
Equilíbrio energético
A resolução de disputas tem também outro significado para André. "O conflito entre a vila e o proprietário cria uma atmosfera desfavorável. Quando o dissolvemos, ela se harmoniza energeticamente. O ser humano, equilibrado, prospera."
Seguindo essa filosofia, o advogado atua no primeiro projeto de reassentamento integral de famílias em grandes obras.
A experiência inicial se dá com ribeirinhos atingidos pelas obras da usina hidrelétrica de Santo Antônio, em Porto Velho. Segundo André, é o começo de um trabalho-modelo que deve ser levado para a África.
"Eu miro o mundo", diz, à espera, com a segunda mulher, do quarto filho. Uma geração que ele acredita já nascer melhor.
Para onde vão os lucros?
Ao ser contratada, em geral pelo proprietário, a Terra Nova cobra 40% do valor do terreno, para despesas operacionais e administrativas. O dono fica com 40%, e a comunidade, com 20%, que vão para um fundo -para usá-lo, o gasto deve ser aprovado pelos moradores.
"Quando cheguei, era rabicho ["gato"] de água, de luz. Para mudar qualquer coisa, era escondido do dono", diz José Paulo Rosário, da associação de moradores de Vila União (PR), hoje com obras de meio-fio e asfalto nas ruas de terra. "Temos planos de fazer escola, parque e barracão de reciclagem."
Para André Albuquerque, "a associação com dinheiro é forte e uma garantia para o projeto".
O que é empresa social?
A Fundação Schwab, parceira da Folha na realização do Prêmio Empreendedor Social, define empresa social como aquela credenciada ao setor privado que distribui o lucro total ou grande parte dele para o benefício da sociedade.
É o caso da Terra Nova, cuja atuação permite que, no final, todos ganhem: os moradores têm o título de propriedade, e o dono do terreno é indenizado pela terra que, na prática, havia perdido -os processos se arrastam por anos na Justiça.
Regularizadas, as áreas podem ser urbanizadas pelas prefeituras, que evitam gastos com negociação fundiária, degradação ambiental, tráfico de drogas e violência em favelas.
"Antes tinha morte, assalto, drogas. Após regularizar, aumentei o mercado e abri uma loja."
ANTONIO APARECIDO FRANÇA, 32, dono de mercado em Vila União (PR)
Cronologia
1966
André Luis Cavalcanti de Albuquerque nasce em Curitiba (PR); é o segundo dos quatro filhos de Marília Hidalgo e Cássio Cavalcanti
1990 a 1994
Nascem os três filhos de André: Gabriel, em 1990; Kaliani, em 1991; e Cássio, em 1994
1999
Dirige o primeiro projeto de regularização fundiária -a Comunidade Sol Nascente-, na companhia de habitação de Pinhais (Grande Curitiba)
2001
Nasce a Terra Nova Regularizações Fundiárias, uma sociedade entre André e Cleusa Homenhuck; continuou-se o trabalho da Sol Nascente
2003
Homologa o primeiro acordo baseado no artigo 1.228 do novo Código Civil, que dá mais segurança à negociação fundiária; casa-se com sua segunda mulher, Gisele
2005
Participa de seminário sobre reassentamentos na Colômbia, organizado pelo Banco Mundial, e da elaboração do projeto Crear, com outros cinco países
Recebe, com a Cohapar (Companhia de Habitação do Paraná), o prêmio René Frank Habitat, na França, pela melhora de vida em comunidades pobres
2008
Começa o projeto de reassentamento de famílias na área de obras da usina hidrelétrica de Santo Antônio, no Rio Madeira, em Porto Velho (RO)
Sagra-se vencedor do Prêmio Empreendedor Social 2008
Colaborou CÁSSIO AOQUI, da Folha de S.Paulo